Análises

A GUARDA COMPARTILHADA E ALTERNADA

I - DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES


Consoante abalizada doutrina, o Direito de Família vem progredindo pari passu com os recentes conceitos da Psicologia, desmitificando antigos preconceitos e estereótipos, envolvendo os personagens do núcleo familiar: pai, mãe e filhos. Neste diapasão, a Constituição de 1988 tornou, juridicamente, homens e mulheres iguais para efeito de direitos e obrigações (art. 5o, inciso I), bem como declarou que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5o).Ora, é sabido que a relação simbiótica entre mãe e filho perdura do nascimento até que a criança complete, aproximadamente, 02 (dois) anos de idade. Logo, em que pese ao texto legal adotado pela Lei de Divórcio (art. 10, § 1o), a prioridade de guarda à mãe só se justifica em tenra idade, em razão das necessidades biológicas e psicológicas do infante. Nessa fase, soma-se a dependência física e alimentar, pela amamentação e total ausência de defesa pessoal do menor, à forte vinculação psicológica, que estabelece o vínculo simbiótico entre mãe e filho, espécie de "cordão umbilical" imaginário.

Por conseguinte, passada esta fase de tenra idade, mais precisamente, do zero aos dois anos, não há nenhuma razão de cunho biológico ou psicológico que justifique a prioridade do direito de guarda à mãe. Outro não é o entendimento, sob o aspecto jurídico. Com efeito, a Constituição da República, promulgada em 1988, consagrou a igualdade dos direitos e deveres de homens e mulheres genérica (art. 5o, I) e especificamente (art. 226, § 5o).

Ressalte-se que a Lei de Divórcio (art. 10, § 1o) é anterior à Constituição de 1988. Em outras palavras, não pode lei ordinária, inferior hierarquicamente à Constituição da República, dar primazia da guarda à figura materna, sob pena de se negar a igualdade constitucional de direitos e deveres entre homens e mulheres, entre pais e mães.

Acrescente-se e reitere-se: não há nenhuma razão de cunho biológico, tampouco psicológico que justifique referido privilégio. Ao contrário, a ciência tem evoluído para consagrar a importância equânime de ambos os referenciais, materno e paterno, feminino e masculino, na vida do ser humano em formação. Ainda, tem-se consagrado a importância da diversificação dos referenciais, que, em verdade, enriquece o cotidiano e a vida do menor. Basta refletir ligeira e comparativamente acerca do cotidiano de uma criança que passa boa parte do dia num apartamento, assistindo à televisão, e de uma outra que desfruta da convivência assídua e diversificada entre pai e mãe...

II - DOS INTERESSES JURIDICAMENTE TUTELADOS


Nesse contexto, a guarda compartilhada visa a propiciar a ambos os pais a igualdade constitucionalmente assegurada. Saliente-se, por oportuno, que os costumes e a prática social, felizmente, se têm transformado para acolher pais mais responsáveis, cônscios da importância e imprescindibilidade na vida de seus filhos, em repúdio à mera função do provedor que se limita a pagar pontualmente a pensão alimentícia ao menor (quando muito!!!).

A propósito, esclareça-se que dois são os interesses juridicamente tutelados: 1o) o direito do filho à convivência assídua com o pai, assegurando-se-lhe o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, a referência masculina/paternal; e 2o) o direito do pai de desfrutar da convivência assídua com o filho, perpetuando seus valores e seu patrimônio cultural e familiar, pela repartição do tempo, das atitudes, das atenções, dos cuidados, como meio de permanência dos laços afetivos e familiares.

Depreende-se, portanto, do exposto imediatamente acima que a guarda compartilhada almeja assegurar o interesse do menor, com o fim de protegê-lo, e permitir o seu desenvolvimento e a sua estabilidade emocional, tornando-o apto à formação equilibrada de sua personalidade. Busca-se diversificar as influências que atuam amiúde na criança, ampliando o seu espectro de desenvolvimento físico e moral, a qualidade de suas relações afetivas e a sua inserção no grupo social. Busca-se, com efeito, a completa e a eficiente formação sócio-psicológica, ambiental, afetiva, espiritual e educacional do menor cuja guarda se compartilha.

De outro lado, visa o instituto da guarda compartilhada igualmente a assegurar o direito do pai de desfrutar da convivência do filho e de educá-lo, transmitindo-lhe os cuidados e a afetividade e perpetuando sua herança cultural e familiar. Aliás, o referido direito há muito lhe foi assegurado pela Constituição de 1988 que igualou, para efeitos de direitos e obrigações, homens e mulheres diante da lei. Assim, salvo razões especiais, tal qual a fase de simbiose entre mãe e filho, concorrem em pé de igualdade pai e mãe ao direito de possuir a posse, a guarda e a responsabilidade do filho menor.

De fato, há de se consagrar o direito (e não só o dever) de se exercer a paternidade responsável, em que o pai não se limita a prover econômica e financeiramente o filho, mas a transmitir-lhe seus valores, sua cultura, educando-o para a vida e participando ativamente da formação de sua personalidade. Tal não é apenas um dever do pai. É também um direito. Direito de perpetuar não somente seu patrimônio genético e memético(1), sua história e seus valores. Direito de conviver íntima e assiduamente com a prole, provendo-a não apenas materialmente, mas também humanística e moralmente.

Entretanto, o que se constata, na maior parte dos casos, é a manutenção da situação em que a mãe detém única e exclusivamente a guarda do filho menor, e ao pai assiste o restrito direito de visitá-lo a cada 15 (quinze) dias. Evidente é o efeito destrutivo sobre o relacionamento entre pai e infante. Ainda, é inegável que a angústia sofrida a cada furtivo encontro contribui para o afastamento de ambos.

Assim, há de se buscar, diante da patente negligência da sociedade diante do direito paternal, o total comprometimento com a vida dos filhos menores por ambos os pais, ainda que pela garantia judicial de novos meios de participação na educação do menor.


III - DA GUARDA COMPARTILHADA


Por conseguinte, conforme afirmado anteriormente, no início deste novo milênio, os conhecidos meios de exercício da guarda não mais satisfazem às transformações dos papéis parentais, pois afetam, até mesmo, a igualdade do homem e da mulher em relação aos filhos. Esclareça-se, por oportuno, que o pai ou a mãe periféricos, assim entendido aquele que não detém a guarda, é um sério candidato à evasão paternal/maternal.

Ademais, com o reingresso da mulher do mercado de trabalho, emergiu um homem também novo, que assume mais responsabilidades no lar e participa ativamente da vida de seus filhos, também nos cuidados físicos.

Absolutamente necessário, portanto, a revalorização social e jurídica do papel da paternidade, sendo louvável e honrosa a iniciativa pioneira de determinados pais, ao acordarem, por ocasião da separação, a guarda compartilhada. Com efeito, grande parte dos pais mal pagam a pensão alimentícia a seus filhos... Aliás, se, de um lado, o compartilhamento da guarda busca revalorizar o papel do pai, de outro, traz "ao centro das decisões o destinatário maior do tema em debate, o menor, oferecendo-lhe um equilibrado desenvolvimento psicoafetivo e garantindo a participação comum dos genitores em seu destino".(2)

Realmente, é notória a perda que a separação do casal causa aos filhos. O que se há de buscar é, precisamente, uma nova forma de compartilhamento da guarda, que minore os efeitos da perda do filho em relação ao pai de cuja convivência não mais desfruta. A guarda compartilhada almeja atenuar o impacto negativo da separação brusca dos pais que, até então, detinham a convivência assídua e constante com o filho.

Saliente-se que o instituto jurídico da "guarda compartilhada" já vem sendo aplicado em outros ordenamentos jurídicos, tais quais o norte-americano (joint custody, que se desdobra no joint legal custody e no joint physical custody), o inglês (precedentes Jussa x Jussa e Dipper x Dipper)3, o francês (art. 373-2 da Lei n.º 87.570/87, Lei Malhuret) e o canadense (presunção de guarda conjunta). Há a nítida preocupação, nesses ordenamentos jurídicos, com os benefícios psicológicos para todos os indivíduos envolvidos na separação conjugal. "Nenhum pai deve sentir que perdeu a criança e, em muitos casos, o relacionamento entre pais e entre pais-crianças tornam-se melhores".(4)

Ainda, a guarda compartilhada encontra amplo fundamento psicológico. Com efeito, o divórcio dos pais acarreta uma série de perdas para os filhos. O compartilhamento da guarda visa, precisamente, a amenizar tais perdas, beneficiando a criança, à medida que ambos os pais estão igualmente envolvidos em sua criação e educação. Cuida-se da tentativa de diminuir os nefastos efeitos da saída de um dos pais da vida diária dos filhos. Logo, não pode olvidar o aplicador do Direito as informações e os conhecimentos trazidos por outras fontes ou ciências, como a Psicologia.

Nosso ordenamento jurídico infraconstitucional, infelizmente, ainda não prevê expressamente o instituto. Há a consagração da igualdade dos direitos e obrigações entre homem e mulher, inclusive, na sociedade conjugal. Não há, no entanto, previsão expressa do compartilhamento da guarda dos filhos. Entretanto, embora não haja norma expressa a respeito, não há tampouco impedimento de que o instituto da guarda compartilhada passe a ser aplicado no Brasil. Há de se aplicar e interpretar o ordenamento jurídico sistemática e historicamente, considerando-se, sobretudo, o que reza a Constituição a respeito.


* Deirdre de Aquino Neiva, advogada e procuradora do Distrito Federal

1 "O Gene Egoísta". DAWKINS, Richard.
2 2 In "Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental". GRISARD Filho, Waldyr. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2000. P. 113.
3 Ob. Cit. P. 120.
4 Ob. Cit. P. 124.

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