Análises

AS MAZELAS DO NOVO CÓDIGO CIVIL: AFRONTA À FAMÍLIA

Não adianta espernear. O rico ou o remediado da família tem que socorrer os menos afortunados. O desempregado ou o doente dependentes têm agora a quem apelar, não precisando bater às portas do governo ou do mercado, até porque estão sempre fechadas. O protesto antigo do cancioneiro bem de vida, acabou: "Na aba do meu chapéu/você não pode ficar". E nem na versão moderna: "Sai da minha aba/sai pra lá", porque o poder infinito e incontrastável do Estado resolveu mudar a ordem jurídica. As manifestações espontâneas de solidariedade de ajudar uns aos outros, que ainda existe, fortalecendo os laços de família, cedeu lugar à força da imposição legal. E ai de quem tentar escapulir do dever jurídico de ajudar o parente necessitado, porque estará sujeito à pena de prisão.

Com a regra da "solidariedade" inventada pelo legislador não é difícil prever o que acontecerá com a família brasileira daqui para frente: saraivada de ações de alimentos, uns contra os outros, desagregando-a ainda mais. A briga que antes não havia entre irmãos, está inaugurada com o novo diploma, na caça aos alimentos judiciais. O amor e o respeito que devem orientar a relação das pessoas do mesmo sangue, ou não, considerando-se as diferenças culturais ou patrimoniais existentes, – porque isso é contingência da própria vida –, também vai acabar. Todos serão lançados em lutas judiciais encarniçadas visando apenas o cifrão. Não haverá vencidos ou vencedores pela simples razão de que os contendores perderão o que há de mais sublime na ordem familiar que é a afetividade que sempre deve imperar nas relações.

A questão é saber se ampliado o rol dos obrigados à prestação dos alimentos, haverá quebra da espontaneidade da generosidade familiar. Será que o parente necessitado, que já vem recebendo ajuda, não terá outras expectativas em mente, estimulado pela interferência estatal? E como se comportará o provedor da família, formalizará por escrito a contribuição, com a homologação judicial, para prevenir interesses futuros?

Chega a ser comovente a preocupação do legislador com a "solidariedade familiar", quando, e ao contrário, permite ao cônjuge pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave manifestada após o casamento (art. 1.572, § 2º). Quer dizer, no momento em que o cônjuge doente mais precisa do outro para confortá-lo, a lei intervém mais uma vez de forma desastrosa. E ainda faz a seguinte ressalva, mostrando a sua face cruel, a vocação atávica pelo dinheiro: "reverter-se-á ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento". Ainda bem.

Mas se o devedor de alimentos morre, terá direito ao descanso eterno? Não, porque a lei não permite. Seus sucessores – que nada têm a ver com o peixe – têm que honrar a obrigação. Os alimentos transmitem-se aos herdeiros do devedor (art. 1.700). Ora, há inúmeros julgados no sentido contrário, afirmando que a obrigação alimentar é PERSONALÍSSIMA (Ap. Cív. 597.105.154, TJ-RS).

Chega-se a incongruência de ver um herdeiro litigando contra si mesmo, pois é claro que os alimentos serão pagos com as forças da própria herança.

Resumo da ópera: podem os parentes, os cônjuges ou conviventes pedir uns aos outros os alimentos. Na falta de ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e faltando estes, os irmãos. Todos entrelaçados. E ainda há os concubinos, que podem exigir uns dos outros, sem a prova da convivência mínima, o que incentiva o estelionato sentimental.

Por trás de tudo isso, esconde-se a má gestão da coisa pública, e olhem que a arrecadação com impostos bateu recorde em 2001 e as pessoas físicas, sempre elas, foram mordidas muito mais que as empresas. É a família substituída pelo Estado nas suas obrigações sociais. Não se criando empregos, as pensões alimentícias passam a ser exigidas.

Sabe-se que os impostos no Brasil são excessivos, injustos e altamente regressivos, pois, à exceção do Imposto de Renda, não distinguem ricos de pobres. Como a qualidade dos serviços públicos é precária, a arrecadação serve, acima de tudo, pra cobrir gastos com manutenção, pessoal e juros. As despesas do setor público não param de crescer, daí a necessidade de arrecadar mais e mais. Ao apetite voraz do setor público corresponde a debilidade do setor privado. A sobrecarga que onera a atividade industrial é fator de retração econômica e de desemprego. E a sociedade brasileira está cansada de saber que a relação custo/benefício dos impostos é decepcionante.

A vida do brasileiro bem poderia ser mais fácil se o dinheiro público priorizasse o social, com a criação de novos empregos. Não se pode admitir desvios nessa política, como o favorecimento de grandes conglomerados econômicos para atender interesses de banqueiros falidos.

Inventa-se um nome respeitável, de moral inatacável, capaz de dar suporte a um plano para arrancar recursos da população, a pretexto de ajudar a saúde. Cria-se o CPMF. E, logo após, o seu inspirador, inexplicavelmente, é demitido. E aquilo que seria provisório, tornou-se permanente. E a saúde continua no brejo.

Pode-se tolerar tudo nesse país, mas quando se afronta a família, algo tem que ser feito com toda a veemência.

O quadro é preocupante: ampliou-se o número de pessoas obrigadas aos alimentos; não se exige mais prazo mínimo para a caracterização da união estável; tá valendo tudo. Vivem-se juntos, ou não, durante um ou dois anos e discutem-se os direitos cinco ou seis, na Justiça. Durante esse tempo, outras relações poderão ser encetadas, concomitantemente. Quem sabe se outros bens ou pensões alimentícias não poderão ser formados e acumulados pela troca continuada de parceiros? É a fraude sentimental de goela aberta protegida pela lei. E tudo a pretexto dessa figura triste, para não dizer ignonimiosa, batizada de "união estável", que gera na instabilidade fabricada pelos cérebros oportunistas o pé de meia dos parasitas sociais de plantão. E o casamento foi para o espaço. A lei permite a separação com prazo reduzido de convivência e o divórcio é alcançado igualmente em tempo recorde. "Até que a morte os separe", tornou-se metáfora, porque desde a implantação do divórcio, a subsistência matrimonial vem se tornando volátil. Assiste-se, hoje, à cerimônia de um casamento, antevendo-se o seu final, a partir dos naturais desentendimentos. Só faltava o padre advertir aos nubentes que terão direito à separação judicial após um ano de desentendimentos ou, caso queiram, poderão optar pelo divórcio direto, a ser exercitado por um ou por ambos os cônjuges no caso de mera separação de fato por mais de dois anos.

Por elastério talvez seja esse prazo "duradouro" de convivência, na acepção legal, para caracterizar uma "união estável", com roupagem de entidade familiar. As conseqüências, porém, da separação serão devastadoras para o cônjuge abastado que terá de arrostar as obrigações alimentícias ad infinitum, a não ser os casos excepcionalíssimos que a lei menciona, tratando-se de novo casamento ou nova parceria que faz cessar a obrigação alimentar. Por experiência, sabe-se que as novas relações são mantidas, no mais das vezes, clandestinamente, tudo para que a pensionanda não perca a benesse. E como se comprova esse fato?

Sobre o tema, adverte CARLOS ALBERTO BITTAR, jurista consagrado, com várias obras no campo familiar:

"Não se pode, em verdade, admitir que simples convivência venha a gerar, legitimidade, direitos, que são reconhecidos apenas às pessoas ligadas entre si por vínculos conjugais, ou de parentesco, tais como o de alimentos e o de sucessão.

Não é admissível que um Estado, por meio de leis, inadequadas e inconstitucionais, aceite o verdadeiro solapamento do regime do Direito de Família, edificado ao longo dos séculos sob a égide de sólidos e profundos valores da cristandade e da moral pública, a pretexto de proteção a conviventes.

Acolher-se a extensão que alguns sustentam é colaborar para a desestruturação social, que tem na família, regularmente formada, a sua base e a sua sustentação.

Lembre-se de que impérios poderosos ruíram ante a quebra dos valores familiares e da dissolução de costumes!..." (in Nova Realidade do Direito de Família, vol. I, p. 2

As regras atuais de Direito de Família, constituem aberração porque, no mais das vezes, protegem relacionamentos espúrios e incestuosos, afirma, com indignação, o saudoso professor e Juiz de São Paulo.

Outra situação vexatória: indenização por trabalhos domésticos pelo tempo de convivência que não está na lei, mas na jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, embora respeitável, ousamos dissentir, para alinharmo-nos à expressiva corrente adotada pelos tribunais estaduais, por uma simples razão: considerada a constitucional elevação da união estável de homem e mulher à categoria de "entidade familiar" seria injurídico admitir indenização remuneratória à concubina por simples e ordinários trabalhos caseiros, quando não a tem e nunca a ela faria jus nem mesmo a esposa legítima.

E se isso não bastasse, por todos, proclama WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO: "A concessão de salários ou de indenização à concubina situa o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que a do próprio matrimônio, redundando em manifesto contra-senso em detrimento da justiça" (Curso de Direito Civil, vol. 2/20, Editora Saraiva, 1990, 28ª edição) – JTJ 158/44. Com efeito, "da união concubinária, ordinariamente, os partícipes auferem proveito mútuo, auxiliam-se e se socorrem um ao outro. Não há de ser, assim, a simples menção à prestação de algumas atividades domésticas por parte de um deles que há de ensejar direito à indenização quando da dissolução do concubinato" – RT 636/77; até porque, "nos termos da lei, à mulher legítima não é dado reclamar indenização por serviços domésticos prestados ao marido, pena de atingir a legítima dos filhos, quando o casal os tenha, e mesmo para os casais sem filho não se tem pretendido existente tal direito, precisamente porque a união de homem e mulher não é um negócio ou sociedade qualquer, mas sim, ordinariamente, se constitui em relacionamento fundado no mútuo afeto, em razões de corpo e alma, que não se traduzem em paga pecuniária após desfeito aquele, precisamente porque de presumir-se que, quando juntos, um servia ao outro. Em casos bem característicos, de admitir-se a indenização por serviços prestados, todavia. Assim, quando a mulher labuta nos negócios do companheiro, ou quando o atende em condições mais difíceis e sacrificadas, que a impossibilitem de auferir rendimentos próprios, ou reduzem a possibilidade disso significativamente" (Des. RUY CAMILO, do TJ-SP, in ob. cit., vol. I, p. 460).

Vale ainda consignar: com o desfazimento da "união estável" a parte mais fraca não sairá de mãos abanando, segundo a orientação do STJ. Se houver bens adquiridos durante a convivência, partilha-se pela metade, com a presunção de que eles foram adquiridos por ambos os conviventes. Se não houver bens, mesmo assim, haverá indenização pelos serviços domésticos. É isso aí. Quem se habilita ao namoro, mesmo prolongado, ainda que não vivam juntos sob o esmo teto? Daí a certeza de que o "aperto de mão", paga pensão, num breve futuro, bastando que o casal apresente-se à sociedade, com os requisitos de "convivência pública, contínua e duradoura". Com a mais respeitosa vênia, é muito pouco para tantos efeitos juridicos além da subjetividade a que induz os vocábulos expressos no texto legal, o que dificulta a sua exegese.

Mas a questão da partilha de bens entre concubinos não passou despercebida ao E. Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 212.560-1-SP, em 6 de março de 1998, na vigência plena das Leis 8.971/94 e 9.278/96, rel. Min. MARCO AURÉLIO.

Se o legislador atentasse para esse importante julgado, certamente enveredaria por outro caminho, verbis:

"O casamento e o concubinato consubstanciam institutos distintos: Tanto é assim que o § 3º do art. 226 da Constituição Federal, tido como vulnerado pela recorrente, sinaliza no sentido de a lei facilitar a conversão da união estável em casamento. Por outro lado, na cláusula abusiva à proteção pelo Estado, não se tem tal igualação no campo patrimonial, com a partilha dos bens pelo simples fato de haver ocorrido a convivência comum. A referência à citada proteção e ao reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar não é conducente a, por si sós, levar à conclusão sobre a meação. Assim é porquanto, até mesmo no casamento, é possível a adoção do regime de separação total dos bens. Logo, permanece íntegra a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal revelada no teor do verbete nº 380 da respectiva súmula: "comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum".

Apesar de tudo isso, fala-se em reforma para garantir a indenização por danos morais nas questões de família. O que é isso? A lei já prevê as sanções quando ocorre infrações aos deveres de família, não se afigurando razoável a dupla penalização pelo mesmo fato. As ações já decididas pretendendo a indenização, foram rechaçadas. Temos o registro de várias decisões, certo, porém, que o STJ, vem entendendo em sentido contrário o teor do recente feito relatado pelo insigne Min. NILSON NAVES.

Os incômodos freqüentes na vida do casal tem que ser suportados por ambos. Vida a dois é difícil. Quando o amor acaba, cada qual vai para o seu lado, recebendo, cada um, o direito assegurado por lei: alimentos, partilha de bens e regulamentação da guarda dos filhos. Colocar no varal das Varas de Família situações graves, chocantes, porque intimistas, para emporcalhar a vida um do outro a pretexto de indenização por dano moral, é alimentar o sadomasoquismo de quem, na desavença judicial, não pretende que feneça as antigas idiossincrasias. Quem pagará por esse dano moral? E não venha com o argumento de correrem os feitos em "segredo de justiça", pois isso não é verdade. As vísceras do amor perdido são lançadas aos olhares dos curiosos, e quando as partes em litígio tem notoriedade, cresce ainda mais o estrépito judicial.

Se não houver um freio para conter as excentricidades, teremos uma tabela de indenização de tantos salários para traição, impotência psíquica ou instrumental, problema congênito que possa impedir a procriação, agressões físicas ou verbais, freqüentemente recíprocas, o ronco intolerável que impede que o outro durma (decibéis mais altos, maior o valor da indenização). As dores de cabeça que inibem ordinariamente o interesse sexual, a inobservância à higiene corporal, o mau hálito e outras incontinências nauseabundas que são inevitáveis na união a dois.

Mas tudo isso que se alinha será despiciendo porque o legislador 2002, já sinalizou no art. 186 que os desentendimentos familiares estão equiparados ao atos ilícitos, quando diz: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" (grifo nosso).

Solução para o caso, é claro que existe. Adotar-se vida celibatária, mas o monge terá de assumir as sandálias da humildade, vivendo das pregações públicas e da caridade alheia.

Temos reiterado que as questões de família, não deveriam ser regulamentadas em lei. A jurisprudência, inspirada pela experiência dos Tribunais, oferece a melhor solução. Espera-se que o senso de justiça, presente em cada caso, acabe prevalecendo.

fonte: http://www.gontijo-familia.adv.br/

Written by SÉRGIO COUTO.

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