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A NAMORADA DA MAMÃE (ASS. MAE HOMOSSEXUAL, LESBICA)

A primeira pessoa com quem conversei sobre meu novo relacionamento foi com meu ex-marido, e temia que ele pedisse a guarda das crianças.

Quando me propus a escrever sobre este tema, eu sabia que a tarefa não seria fácil. Afinal, estaria abordando dois problemas, ambos igualmente profundos, embora diversos:

1) O relacionamento dos filhos de casais separados com umnovo(a) companheiro(a) da mãe, ou do pai;

2) Esse mesmo relacionamento, com suas novas implicações, quando a mãe (oupai) assumem uma nova parceria, dessa vez homossexual.

 

Pesquisei, quase em vão, bibliografia a respeito. As pesquisas são quase inexistentes, e as poucas que há, são de outros países, totalmente diversos de nossa realidade, inclusive regidos por outras legislações. Há, realmente, na Internet, alguns sites que abordam o problema, muito superficialmente, nas seções de "fórum". Para minha surpresa, porém, a maioria absoluta dos casais que buscavam esclarecimentos a respeito, e se colocavam nessa situação vital, era de homens, que reconstruíram a vida pós casamento hetero, com parceiro homossexuais, muitos deles sem deter a guarda dos filhos.

 

Decidi, então, basear-me em minha experiência pessoal, e a de algumas mulheres que estão vivendo esta situação. Tenho 4 filhos, sendo 2 adultas, casadas, e dois menores: João (14) e Rita (8). Assim que me separei, conheci aquela que é o amor de minha vida há dois anos. No início, a perplexidade, pois eu sempre me conhecera como hetero, e agora sentia toda a plenitude do amor por uma mulher... foi preciso todo um processo de psicoterapia para que eu entendesse que estava, finalmente, me descobrindo, e tinha dois caminhos: ou renunciava a esse amor, que me completava em todos os sentidos, ou seguia em frente, corajosamente, lutando pela minha felicidade, embora já tivesse meioséculo de vida.

 

Senti que era impossível retroceder, e fui em frente. Nos primeiros tempos de namoro, minha amada morou sozinha (ela se mudou para minha cidade), então não foi tão difícil, para as crianças, aceitar a "nova amiga de mamãe". No entanto, o amor foi ficando cada vez mais exigente, e a necessidade de estar juntas, de partilhar o dia a dia, foi se tornando cada vez mais forte. Há pouco mais de um ano, por ocasião do Natal de 99, resolvemos que minha amada viria morar em minha casa. Ela já havia me socorrido inclusive financeiramente, dispondo de alguns bens que tinha, para me ajudar a sair do buraco em que me encontrei, logo após a separação, com dívidas que eu não havia assumido.

 

A primeira pessoa com quem conversei, a respeito de meu novo relacionamento, e da decisão que tomáramos, foi com meu ex-marido. Eu temia que ele pudesse pedir a guarda judicial das crianças, e essa era uma dor que eu não estava preparada para suportar. No entanto, ele se mostrou, se não solidário, pelo menos neutro. Talvez não por solidariedade, nem pela compreensão de minha busca de felicidade, mas porque ele sabia em que situação me havia deixado. Além de que, nesta altura de sua vida, o que menos lhe interessava era cuidar de crianças. Aliviada, chamei à minha casa as filhas adultas, a abri o jogo com elas.

 

A princípio, ficaram também atônitas... afastaram-se, por alguns dias... mas, felizmente, minha amada já lhes havia conquistado o coração, e elas sentiram que teriam, nela, uma grande amiga. Restava conversar com meu filho adolescente... era a tarefa mais difícil, eu creio. Não somente pela fase de vida em que ele estava, cheio de dúvidas e espinhas, mas porque havia sofrido calado com a separação, e nutria muito afeto pelo pai. Ele ignorava, como até hoje ignora, as verdadeiras razões desse rompimento. Só sabia que estávamos financeiramente em situação difícil, e que "minha amiga" iria morar conosco.

 

Claro que tudo foi muito gradual. Ele já havia passado uma temporada de férias na cidade dela, quando ainda namorávamos pela Internet, e adorava pescar e conversar com aquela "tia", que lhe dava atenção e tratava-o comoum homenzinho. Uma noite, logo após minha amada estar em nossa casa e partilhar comigo o leito, eu chamei meu filho ao quarto para conversar.

 

Ele passar o dia numa pescaria animada, com minha amada e um amigo dele, e estava receptivo para o diálogo. Comecei perguntando a ele se podia contar com sua amizade, e com seu amor, houvesse o que houvesse. Diante de sua afirmativa, perguntei o que ele pensava de meu novo relacionamento, se achava que éramos amigas, mesmo... ele disse que não, que havia alguma coisa a mais. Percebera isso pelos inúmeros telefonemas, pelo celular, quando ele estava em férias, com ela... e, agora, pelos laços estreitos que tínhamos, pelas gentilezas dela para comigo, pela forma como cuidara de mim quando fui operada... percebi que ele estava me dando o gancho que queria, e então comecei a falar. Lembrei a ele do respeito que sempre tivemos, em nossa família, pelas minorias, inclusive homossexuais... pela forma como eu nunca permiti que fossem feitas referências pejorativas a essas pessoas quenutriam amor pelos seus pares.

 

Ele, inclusive, comentou sobre um amigo nosso, padrinho de minha filha, que é homossexual, e há anos freqüenta nossa casa, aliás por quem meus filhos nutrem um afeto especial. Conversamos longamente... sobre minha solidão,sobre a obrigação que cada um de nós tem de ser feliz, e sobre nossa crença num Deus que é Amor, e que abençoa toda e qualquer manifestação de Amor, por ser Sua própria essência... claro que todo esse diálogo ocorreu em palavras e expressões que os quatorze anos de meu filho pudessem entender e acompanhar. No final da conversar, mais de uma hora depois, ele me abraçou, e disse: - "Mamãe, eu só quero que você seja feliz..."

 

Com Paloma, nem foi preciso conversar, pelo menos não abertamente. Talvez, devido à sua própria intuição feminina, ela considera tudo normalmente. De lá para este momento, tudo ocorre normalmente, quase da mesma forma como se eu tivesse tendo um novo relacionamento hetero, como a maioria. Às vezes, minha amada repreende um ou outro, com a mesma autoridade com que eu o faço... no entanto, a última palavra, em qualquer decisão, é sempre tomada em  conjunto, para o castigo merecido ou para o aumento da mesada...

 

Um dos pontos importantes, a meu ver, é a discrição que temos, em nossas manifestações afetivas, sobretudo quando algum amigo(a) das crianças está presente. Sabemos que nem todo mundo pensa igual a nós, e respeitamos a forma de cada um pensar e agir, como queremos ser respeitadas. Por isso, nossas expressões de afeto mais calorosas acontecem em nosso quarto, nosso "mar da serenidade" como chamamos. Embora, como qualquer casal, tenhamos sempre um colchãozinho disponível, sob a cama, para as noites de insônia por medo, doença ou solidão de uma de nossas criança, que eventualmente precise estar mais próximo de nós.

 

Para finalizar, quero lembrar as palavras de meu filho para mim, no final de nossa conversa. Quando se ama, o que mais se pode desejar, senão a felicidade do ser amado? Da mesma forma que desejamos que nossos filhos sejam felizes, eles também aprendem a respeitar e facilitar nossa felicidade. Principalmente, quando, desde pequeninos, tenham sido orientados para o Amor.

 

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http://www.gaybrasil.com.br/umaseoutras/conteudo/relatos/relato_namoradada_mamae.htm

 

--------Reprodução autorizada pela autoraEnvie seu comentário para Flávia Martins: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

Revista Um Outro Olhar, edição de Julho/2001

 

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