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CADÊ O AMOR QUE ESTAVA AQUI?

Juiza Jaqueline Cherulli

"O amor nunca morre de morte natural. Morre porque nós não sabemos reabastecer sua fonte. Morre de cegueira e dos erros e das traições" Anaïs Nin.

Como entender o amor dos pais que rompem relacionamentos?
Que lugar os filhos ocupam após o rompimento?  

Creio que somos movidos pelos questionamentos e não pelas respostas.

O Termo guarda compartilhada embora sugira uma situação de consenso, reclama, em muitas das vezes, aplicação em momentos de crise. Essa deve ser a visão sobre a modalidade de guarda aqui brevemente comentada

A Lei 11.698/08 alterou dois artigos do Código Civil, a saber, o 1.583 e o 1.584, instituindo uma novidade, a guarda compartilhada.

Por guarda compartilhada entende-se:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. 

§ 1o Compreende-se [...] por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. (grifei) 

§ 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. (grifei)

 

Quando um casal experimenta a falência da relação conjugal, há uma ruptura dos vínculos criados e instituídos, frise-se entre eles. Entre eles, é importante repetir. A prática à frente de uma vara especializada de família aponta a importância dos grifos lançados, pela flagrante confusão “emocional” que se verifica no dia-a-dia.

O embate que emerge de uma relação frustrada, quando um dos dois se mostra imaturo para viver o fracasso, converge imediatamente aos frutos do que se viveu. Esses frutos podem ser materiais ou vitais - vidas dela advindas. Focalizando os frutos vitais, ou seja, as vidas advindas da relação e apenas elas, verifica-se que o “imaturo” - utilizemos o termo para facilitar o entendimento - leva o rompimento ao exercício do vínculo paterno ou materno, ultrapassando a esfera de efeito da separação.

Ora, a relação de conjugalidade, homem-mulher; casal, é totalmente distinta da relação parental, pai-filhos e mãe-filhos. Como já apontei em artigo anterior acerca do mesmo tema, a Lei Especial focada não é direcionada aos pais e mães que vivem um relacionamento pós separação de forma responsável, civilizada e madura; quem se entende e compõe não precisa bater às portas do judiciário; mas sim àqueles que não se entendem não só como casal, mas também como pais separados; aos confusos em seus distintos papéis. O desfazimento da situação constituída pelo casal não pode ser estendida aos filhos.

O marido passa a ser ex-marido; a mulher passa a ser ex-mulher; o companheiro, ex-companheiro; a companheira, ex companheira; mas os filhos; os filhos não, eles serão sempre filhos.

O espírito de vindicta extensivo à guarda, tantas vezes detectado nos autos, tem que ser rechaçado veementemente e o parágrafo terceiro do artigo 1.583 (acima citado), imposto, como obrigação que é. Muitos pais e mães que não são detentores da guarda, inclusive por opção, usam do fato para se desobrigar ou se desonerar de tudo o que compreende tal exercício, criando uma ausência devastadora, entendendo que a prestação dos alimentos basta. Ledo engano!

O que não exerce a guarda, quando é instituída na forma unilateral, é “obrigado” a supervisionar os interesses dos filhos. OBRIGADO (§ 3º do artigo 1.583 do Código Civil). (grifei)

Se aquele que não detém a guarda experimenta impedimento ou dificuldades para exercer tal obrigação, quer pelo pai, mãe ou outrem, sem qualquer sombra de dúvida, terá a seu favor a caracterização da ocorrência de “alienação parental” (Lei 12.318/10).

Por sua vez, se não supervisionar por puro “desleixo”, também estará sujeito às sanções legais.

Há circunstâncias em que a guarda compartilhada deverá ser decretada:

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: 

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar. 

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. (grifei) 

§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

A surpresa aos que não se “entendem”, eis o nó górdio: 

§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

Para os casos em que o dissenso impera, o senso comum mostra que, em audiência, os pais relutam na aplicação da guarda compartilhada usando como “defesa” o fato de não se relacionarem bem.

Ora, a lei é clara: não havendo acordo será aplicada a guarda compartilhada. Não diz a lei em seu corpo: poderá ser aplicada. É imperativa. Por “sempre que possível”, entende-se da possibilidade que o juízo verifica de posse de relatórios da equipe inter-profissional/interdisciplinar, havendo fato impeditivo, não poderá ser compartilhada.

Busca a legislação resguardar o direito dos filhos e não dar amparo aos estigmas “pós separação” de ambos; a lei não é egoísta como os pais o são nesse momento. O foco aqui é os filhos e não os pais. Aliás, na “cegueira” do que restou da ruptura, e ainda sendo egoístas, motivo de noventa por cento da falência das relações, continuam ignorando a distinguida relação de parentalidade: paternidade/maternidade, com a relação conjugalidade: homem/mulher; casal.  

O destempero dos pais não pode vitimar os filhos. Esse engano vivido diuturnamente nas varas especializadas deve ter contrapeso de rápido efeito para que futuros adultos não tenham a vida emocional, psicológica e profissional comprometidas.

Distinguir os vínculos e as obrigações é um passo importantíssimo para os operadores dessa área do direito. A falta de discernimento de pais, juízes, promotores e advogados pode ser uma sentença de morte para crianças e adolescentes.

“§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.” (grifei)

Casos há em que não se consegue o resultado desejado e necessário ao bem estar dos filhos. Aí vale inclusive a criatividade.

Verifico a urgência de texto legal que se ocupe do abandono afetivo. Há que ser distinguido claramente para os “confusos” e irresponsáveis que prestação material não substitui o afeto e se o afeto não subsiste após a separação, ferramenta legal deve ser imposta. 

§ 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.” (grifei) 

“§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.”

A natureza humana é de conquista e vitória e “a vitória que vale a pena é a que aumenta sua dignidade e reafirma valores profundos”. (Roberto. Shinyashiki)

 

Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli.

Juíza de Direito                                                                                    

 

  • Como entender o amor dos pais que rompem relacionamentos?  
  • Que lugar os filhos ocupam após o rompimento?  

Written by Juiza Jaqueline Cherulli.

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