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A PSICOLOGIA PODE AJUDAR A COMPREENDER AS QUESTÕES JUDICIAIS

A PSICOLOGIA PODE AJUDAR A COMPREENDER AS QUESTÕES JUDICIAIS

Denise Maria Perissini da Silva

Nos processos judiciais em que se discutem questões ligadas à família – separação, guarda de filhos, pensão alimentícia, visitas, entre outros – é comum que as pessoas mobilizem muito dinheiro e uma infinidade de papéis (petições, documentos) para argumentar a “sua” verdade e assim convencer a autoridade judiciária da “sua” versão dos fatos narrados que deram ensejo ao conflito judicial. O que bem pouca gente leva em consideração é que, nessas situações, não há limites para tentar provar que a sua argumentação é a única válida em detrimento da imagem do outro, e em prejuízo da própria estrutura familiar.

Alguns advogados e operadores do Direito também contribuem para acirrar a disputa, sem se preocupar com o desgaste físico e emocional que as pessoas da família estão vivenciando. “Vencer” parece ser o único objetivo em uma demanda judicial, não importa a que preço – material ou emocional. Com isso, interferem na quantidade de papéis e procedimentos que abarrotam o Judiciário e entravam o andamento dos processos na busca de uma solução familiar.

É nesse sentido que, há algum tempo, os operadores do Direito perceberam que a letra fria e objetiva da lei nem sempre é suficiente para dirimir as questões familiares trazidas ao Judiciário. As necessidades humanas e a comunicação interpessoal em âmbito familiar são muito mais amplas e complexas para se limitarem à padronização legislativa. Houve, então, a necessidade de se buscar o aparato da Psicologia, como ciência do comportamento humano, para compreender elementos e aspectos emocionais de cada indivíduo e da dinâmica familiar, e assim buscar uma saída única, própria, que atenda adequadamente as necessidades daquela família – e que muitas vezes não são percebidas e/ou ressaltadas durante o acirramento do litígio judicial.

A perícia psicológica torna-se uma ferramenta importante para a análise e compreensão da dinâmica familiar e da comunicação verbal e não-verbal de cada um dos indivíduos. O psicólogo perito reveste-se da imparcialidade e neutralidade da própria estrutura do Judiciário, para escutar as mensagens conscientes e inconscientes do grupo familiar. Através de procedimentos específicos, o psicólogo poderá interpretar essas mensagens, compreender os parâmetros de estruturação dessa família e, a partir dessas informações, fornecer subsídios à decisão judicial, apresentando sugestões, sob aspecto psicológico, que melhor possam amenizar o desgaste emocional das pessoas, e principalmente preservar a integridade física e psicológica dos filhos menores.

Ao lado do perito, as pessoas podem utilizar-se dos serviços do assistente técnico, psicólogo autônomo contratado pela parte que deseja reforçar sua argumentação no processo e complementar o estudo psicológico desenvolvido pelo perito. O psicólogo assistente técnico é um assessor/consultor da parte, habilitado para orientá-la nas questões psicológicas relevantes ao contexto familiar.

A impressão inicial que se tem em relação ao assistente técnico é a de que, sendo ele convocado pela parte (e não pelo juiz) a atuar no processo, será uma espécie de “defensor não-jurídico” desta, selecionando apenas as informações favoráveis ao seu cliente. Mas a realidade é que, embora o assistente técnico seja efetivamente um assessor da parte, seu trabalho não deve, em nenhuma hipótese, transgredir os princípios da ética profissional à qual está sujeito, e nem restringir-se a uma visão parcial e limitada da argumentação da parte – a qualidade de seu trabalho melhora quando ele também consegue obter informações acerca da dinâmica familiar completa, e assim fornecer subsídios à decisão judicial que, embora sejam favoráveis a seu cliente a princípio, possam também compreender o contexto familiar integral e buscar uma estabilidade emocional que corresponda às reais necessidades dos membros da família, especialmente das crianças e adolescentes.

A grande dificuldade reside no fato de que as pessoas acorrem ao Judiciário esperando uma solução mágica e imediata do juiz, que “solucione” definitivamente as suas vidas, e transferem para esta figura o poder de decisão, porque nem sempre têm consciência da necessidade de assumirem decisões por conta própria. Nesse momento, a Psicologia, seja através do perito e/ou do assistente técnico, deve oferecer condições para que as pessoas também se escutem – individual e coletivamente -, talvez como nunca haviam feito antes, e a partir dessa escuta possam compreender a dimensão dos conflitos emocionais e repensar aspectos de suas vidas que amenizem os desgastes, tomando atitudes contra esse poder de destruição.

O trabalho dos psicólogos perito e assistente técnico deve mobilizar-se no sentido de que, através da troca de informações, diálogo acerca das impressões e observações colhidas, ambos os profissionais possam evitar que o confronto familiar se perpetue e/ou se agrave, e assim questionar aspectos importantes que visem a integridade física e emocional da família e a conscientização de seus membros de sua relevância individual, grupal e social. A Psicologia e o Direito têm a responsabilidade de fornecer condições à construção de uma sociedade mais consciente, resgatando também sua cidadania.


Denise Maria Perissini da Silva –
psicóloga clínica, psicoterapeuta, assistente técnica jurídica civil em processos judiciais nas Varas da Família e Varas da Infância, e bacharel em Direito.
(Baseado no livro da autora Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro, lançado pela Casa do Psicólogo Editora e Livraria Ltda., São Paulo, 2003.)
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