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A GUARDA COMPARTILHADA SEMPRE EXISTIU

Por questões de tradição, numa separação ou divórcio, a guarda dos filhos era normalmente atribuída à mulher. Esta realidade começou a mudar, a partir da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso I, que dispõe que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, o que foi recepcionado pelo artigo 1.584 do Novo Código Civil que diz: “Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la”.

Durante a união do casal, desde os primórdios, quando um ou ambos saiam para o mercado de trabalho, a questão da guarda sempre foi habilmente compartilhada com avós, parentes, babá, empregada, vizinhos, escola ou mesmo com qualquer dos dois quando em férias ou perda do emprego, sem causar qualquer polêmica.

E, mesmo após a separação, normalmente algumas mães que conquistaram seu espaço no mercado de trabalho, continuam a compartilhar a guarda dos filhos com todos os personagens acima ditados, exceto com o pai das crianças, utilizando-as como instrumento de vingança ou um poderoso álibi para a conquista de vantagens econômicas.

No momento da ruptura conjugal é que surgem as grandes divergências. Algumas mulheres, valendo-se do estigma do “instinto materno”, resistem em reconhecer o direito da criança de ter acesso e conviver com os dois, pai e mãe, comportando-se como se fossem “donas” dos filhos, mal conseguindo enxergar as prováveis seqüelas ao privá-los do convívio com o outro genitor, o qual muitas vezes entra na audiência como pai e sai como visitante ocasional e provedor habitual.

Chamo a atenção para o compromisso social que todos nós, operadores do direito e profissionais ligados à área de família, advogados, juízes, promotores, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas familiares, peritos e outros, para a enorme responsabilidade que repousa sobre os nossos ombros ao defendermos, opinarmos ou decidirmos um caso, com vistas, acima de tudo, ao real interesse da criança.

Neste diapasão, torna-se imprescindível privilegiar o convívio do filho com seus dois genitores, sem esquecer dos avós que, a exemplo das crianças, são igualmente penalizados pelas mazelas do casal que se separa.

A família é o primeiro núcleo onde a criança é inserida ao nascer e, para ela, não existe diferenciação entre pais. Uma ruptura brusca da união familiar, ignorando os necessários cuidados em preservar as crianças do trauma da separação, pode acarretar-lhes no futuro conseqüências tanto no desenvolvimento psicológico, como na formação da própria personalidade.

Os filhos podem não ter uma base sólida para lidar com certas situações e, dependendo do comportamento dos adultos, poderão não encontrar esse referencial neles também, vindo a abalar sua estrutura emocional, principalmente quando envolvidas no conflito que elas não desejam.

A própria família passou por transformações através dos tempos. Nos séculos XVI e XVII, o modelo predominante era o da Família Aristocrática, cujos pais decidiam o casamento dos filhos, a relação se baseava na hierarquia aristocrática e os papéis eram impostos por rígidas tradições. Não se respeitava a privacidade dos membros da família, a não ser a do pai. E, o primeiro contato da criança, era com as amas de criação e não com os pais.

Surge então um novo modelo, a Família Camponesa, baseada na vida cotidiana das aldeias. A família era a própria aldeia e vivia em comunidade. A relação entre os componentes da família era superficial, sem qualquer intimidade. A mãe cuidava dos filhos, da casa, da horta por longas horas, com a ajuda de pessoas de fora do grupo familiar.

No século XIX, surge o modelo da Família Burguesa e os filhos recebem novos valores, até então inéditos. A mãe é responsável pela educação dos filhos para que eles tenham um lugar de respeito na sociedade e os pais cuidam do custeio dos estudos. Dessa forma, a esposa conseguia estreitar os laços afetivos com os filhos, influenciando-os diretamente na construção da moral dentro das regras vigentes.

Com a Revolução Industrial, surge a Família da Classe Trabalhadora, que nasceu da angústia social e econômica reinante na época, que se assemelhou ao modelo da burguesia. Num primeiro momento, todos os membros da família trabalhavam nas fábricas, sem dar muita atenção para as relações entre pais e filhos, os quais ficavam pelas ruas. Num segundo momento, resgatou-se o estilo burguês e a domesticidade voltou a prevalecer.

A Família Contemporânea do século XX, oriunda da família burguesa, um pouco mais complacente, permite que os filhos criem sua própria opção de vida. Os valores burgueses se intensificam e começa a haver mudanças na sociedade, como a valorização da mulher no mercado de trabalho, a divisão das responsabilidades, nas funções dos papéis do casamento, a violência urbana, os movimentos políticos e ideológicos, dentre outros, acarretando mudanças até de perspectivas.

Como conseqüência, surge a quebra do modelo de Família Tradicional onde o pai é quem se responsabiliza por trazer o dinheiro e a mãe fica arrumando a casa e cuidando dos filhos, que por sua vez são dependentes dos pais. O estereótipo se rompe e a relação dos pais com os filhos muda, surgindo novas formas de núcleos familiares.

Paralelamente, em meio a essa viagem histórica da Família, temos a mulher que, durante séculos, era tida e respeitada por todos como criatura divina, pois detinha o poder de perpetuar a espécie.

Com o passar do tempo, como a maioria da raça humana seguia religiões lideradas por homens e vivia em sociedades patriarcais, esse poder feminino foi praticamente anulado, conquistando o homem autoridade absoluta sobre a família.

Desta forma, as mulheres perderam a sua liberdade de agir de acordo com sua própria vontade e passaram a ser tratadas como propriedade primeiramente de seus pais e, posteriormente, de seus maridos, legitimando a submissão feminina e sufocando qualquer tentativa de subversão da ordem estabelecida pelos homens.

Tal concepção começou a ruir, com a emancipação da mulher em pleno século XX, com o fenômeno da globalização, embora resquícios continuem enraizados na nossa sociedade, evidenciado também no conservadorismo do Judiciário.

As mulheres conseguiram romper barreiras, aprendendo a se equilibrar no vasto Universo concebido pela “lei do mais forte”, que perdeu valor diante da força da inteligência. Elas ousaram questionar, transpor e reconstruir, sob uma ótica menos extremista, sem ter que dividir o mundo em dois pólos totalmente desconhecidos um do outro, numa proposta de união e cooperação entre “iguais”.

Agora, em pleno século XXI, é preciso que esta nova mulher se mantenha vigilante para que o novo Universo que se abre, guiada pelos valores capitalistas e pelo direito de conquistar sua independência e seu espaço, não lhe retire a sensibilidade para avaliar e respeitar o direito do homem com relação aos filhos, e nem torná-los reféns de seus caprichos e do seu “pseudo” poder, para não passar de oprimida a opressora.

Este é um momento ímpar de reflexão para uma nova dimensão de valores humanitários, voltados para uma conquista que simbolize a união, a solidariedade e o respeito entre o homem e a mulher, em benefício dos filhos e em prol de uma sociedade mais sadia, mais justa e mais equilibrada, pois acredito que a grande vocação do ser humano é crescer com maturidade e sabedoria.

Marie Claire Libron Fidomanzo
Advogada, colaboradora da Equipe Apase, Pailegal, Participais, do Jornal Complexo Jurídico EPJ e diretora cultural da Associação dos Advogados do Grande ABC – AABC

Fonte: http://www.caldeira.adv.br/noticia.php?noticia=100

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