Análises

GUARDA COMPARTILHADA

Na maioria dos casos de dissolução do casamento tanto a lei quanto a Jurisprudência Pátria concedem a guarda dos filhos para a mãe. Há um entendimento consolidado que parte do pressuposto de que ela teria mais tempo disponível para se dedicar aos filhos e condição de criá-los com muito mais afeto e carinho em face do denominado “instinto maternal”. Ao pai, restaria apenas um papel secundário de fiscalização, visitação e oferecimento de alimentos, afastando-o, assim, sobremodo da criação diária de seus próprios filhos.

Na evolução histórica, a Common Law inglesa estabelecia que o genitor varão deveria ser o guardião da prole no caso de dissolução do relacionamento. Mas, com a Revolução Industrial e a conseqüente migração dos homens para as fábricas, o quadro transfigurou-se e o cuidado dos filhos passou para as mães, de modo que restou aos pais a figura de provedor, eis que, em razão do trabalho, não mais podiam dispensar parte do dia para dar atenção aos seus filhos, tarefa esta reservada à mãe - dona de casa.

Todavia a revolução sexual, com a inserção cada vez maior da mulher no mercado de trabalho e a divisão igualitária de papéis na educação dos filhos, mudou a estrutura familiar e o antigo conceito que conferia prioridade da guarda da prole à mãe. A própria Constituição da República de 1988 passou a dar tratamento igualitário aos genitores no que concerne a direitos e obrigações em relação aos filhos e coube à Jurisprudência Pátria promover a equiparação de ambos os genitores. A mudança social ocorrida fundamentou o surgimento de novas modalidades de guarda para que o exercício fosse mais equilibrado, privando-se, o mínimo possível, os filhos do contato com ambos os pais. O varão cada vez mais descobre seu instinto paternal sem perder sua masculinidade na busca de ajudar os filhos nos momentos de incerteza e desamparo.

No Direito Pátrio, a noção de guarda está intimamente ligada ao conceito de posse que é exercida por apenas um dos genitores (guarda única ou sole custody para o Direito Inglês).

Algumas distinções devem ser feitas entre guarda alternada, guarda dividida e guarda compartilhada (ou conjunta ou, ainda, dupla custódia) para se evitar uma possível confusão ocasionada pelo emprego de expressões tão semelhantes.

Na guarda alternada os filhos vivem ora com um genitor e ora com outro, o que não deixa de ser um modelo de guarda única. Cada um dos genitores exerce o direito de guarda por um determinado período de tempo enquanto o outro fica com o direito de visita. Decorrido o lapso temporal, a situação se inverte.

A guarda dividida é a mais aplicada e consiste na atribuição da guarda ao pai ou à mãe, enquanto ao outro fica apenas reservado o direito de visita.

A guarda compartilhada ou conjunta (dupla custódia), instituto adotado na França, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos, vem sendo aplicada no Brasil com muita discrição. O desejo de ambos os pais em compartilhar da criação da prole comum e desta de manter a comunicação com os mesmos fez surgir esta nova modalidade de guarda. Quando a guarda conjunta é adotada pelos genitores, a autoridade parental (conjunto de atribuições, direitos e deveres dos pais em relação aos filhos) passa a ser exercida conjuntamente, não somente por aquele que tem o convívio diário e mora na mesma residência (genitor possuidor). A dupla custódia visa amenizar o impacto psicológico do fim da relação do casal na vida dos menores.

Este instituto surgiu através de precedentes internacionais. A Assembléia Geral da ONU, inspirada na Declaração de Genebra de 1924, adotou no ano de 1959 a Declaração Universal dos Direitos da Criança. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, prevê a igualdade dos sexos no momento de dissolução dos vínculos matrimoniais. Em 1989 a ONU elaborou a Convenção sobre os Direitos da Criança, em vigor desde 1990, que traz disposições específicas sobre os direitos das crianças relativos à guarda, visitação e contato com os pais caso não haja prejuízo para a prole. Neste mesmo ano foi promulgado o Decreto-Lei n° 28/90 que ratificou seu texto no Brasil.

Pelo Decreto nº 99.710/90, o Brasil passou a reconhecer como primordial o interesse da criança para o desenvolvimento de sua personalidade. A Lei do Divórcio e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelecem que o interesse do menor é soberano.

Na França, a idéia de guarda conjunta surgiu em 1976. O Código Civil Francês, em seu art.287, dispõe que, após a oitiva dos filhos menores, o juiz deve fixar ou não a autoridade parental de acordo com interesses e necessidades dos filhos e, caso fique estabelecida, o magistrado deverá indicar com quem os menores residirão. Estando o casal de acordo, basta uma declaração conjunta perante o juiz com base no art.374-2 do mesmo Diploma Legal. O Direito Francês substituiu a expressão “guarda” por “autoridade parental”.

O ordenamento jurídico Inglês que também adotou esta modalidade de guarda sob a denominação de joint custody distribui igualmente entre os genitores as responsabilidades perante os filhos pois cabem à mãe os cuidados diários com os filhos (care and control) recuperando ao pai o poder de dirigir conjuntamente a vida dos menores (custody).

O Direito Americano acatou a nova tendência aplicando na maioria de seus Estados a guarda compartilhada. Os juristas americanos estão se dedicando a pesquisar, discutir e debater sobre a guarda compartilhada na busca de aplicá-la de maneira uniforme em todo o país. As estatísticas demonstram que cada vez mais este instituto vem sendo aplicado com êxito.

Para o Direito Canadense a separação dos genitores não pode gerar um sentimento de perda para nenhuma das pessoas envolvidas. Este é o principal fundamento para a adoção da guarda compartilhada por este ordenamento jurídico.

Em qualquer dos sistemas que adotam esta nova modalidade de guarda, fica visível que, para que se efetive com êxito, mister se faz que os pais tenham um bom relacionamento devendo ser estabelecida em comum acordo entre eles e, não ser imposta pelo juiz, pois sua finalidade é amenizar a situação ao invés de aumentar as discussões porventura existentes entre os genitores.


Daniela de Mendonça Tapajós Gomes* é estagiária da EMERJ
Orientador: André Côrtes Vieira Lopes

GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: noções introdutórias. In: ______. Guarda compartilhada:

um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.103-125.

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