Análises

DEZ ANOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: MUITO AINDA POR SE FAZER

Dez Anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: Muito Ainda Para Ser Feito

Há muito tempo estamos acostumados a ouvir expressões do tipo “nossas crianças são nosso futuro”, “os jovens são o futuro do Brasil”, e por aí afora. As autoridades deixam sempre para amanhã questões fundamentais envolvendo a criança e o adolescente, as quais poderiam ser perfeitamente resolvidas hoje, e não o são por falta de perspectiva ou ausência total de um planejamento eficaz e combativo contra as mazelas que tanto assolam a vida de nossas crianças e adolescentes.

Muito se fala em verbas. Dinheiro suficiente para a saúde, quantias vultosas para a educação, subsídios para a profissionalização dos jovens. A verdade é uma só: ainda temos noção de que o problema das crianças e adolescentes somente será resolvido se for injetada uma soma fabulosa de verbas em programas nem sempre consistentes.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90, de 13 de julho de 1990), ao completar dez anos de promulgação, deixa bastante nítida a necessidade de estabelecimento de prioridades para as crianças e adolescentes sem grandes divagações político-científicas no tocante à questão. A sociedade anda farta de ver autoridades segurando crianças no colo e lhes dando beijos calorosos ou dando pratos de sopa para jovens desabrigados quando há tantos problemas a enfrentar. É vergonhoso. Desumano. Uma verdadeira esmola.

Certo é que estamos enfrentando uma torrente de casos relativos à crise nas inúmeras redes de atendimento à criança e ao adolescente. Pessoas se queixam diuturnamente a respeito da falta de vagas nas escolas, da deficiência nos centros de saúde, da criminalidade crescente entre os jovens. Mas tudo isso é passível de ser enfrentado. Basta coragem e idéias inovadoras por parte da própria comunidade.

Nosso País possui uma das legislações mais avançadas do mundo no que tange à criança e ao adolescente. Desde que houve o advento da Lei nº 8069/90, a qual substituiu o Código de Menores, diversas questões que abrangem nossos jovens têm sido enfrentadas e superadas com dignidade e respeito ao ser humano.

Temos o desemprego, a fome, a falta de moradia. Tudo isso cria ausência de perspectivas entre os jovens, os quais estão por vezes entrando no mercado de trabalho já desiludidos, considerando-se que não serão aceitos em local algum, tornando-se massa ociosa e vulnerável, presa fácil de traficantes que desejam mão-de-obra juvenil para realizar o comércio de entorpecentes.

Não bastasse esse grave problema social que vem assolando nossas comunidades, há ainda os resultados nocivos, colaborando para a desagregação social. Com o desemprego, pais se tornam abalados com a situação, sem poder colaborar com o sustento de sua família, a qual com freqüência está a passar por privações (falta de teto, de comida, de roupas e de outros bens fundamentais para o bem-estar do grupo).

Como conseqüência direta desse abalo, com regularidade percebemos os índices de violência dos pais para com seus filhos subindo numa rota alarmante para os dias de hoje. Padrastos que violentam suas enteadas, pais que espancam os filhos (às vezes até a morte), todas essas problemáticas também são constatadas em uma análise superficial da vida comunitária, tudo isso como resultado da falta de amparo social.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao prever a tutela integral dos direitos fundamentais dos jovens, não se refere apenas ao Estado como protetor-mor desses bens, até mesmo porque existe o mito (que precisa ser quebrado) do abraço do Poder Público em relação a todos os problemas, como se a sociedade também não tivesse sua parcela de responsabilidade em relação aos jovens. A lei também indica deveres à comunidade, que deve ser envolvida nesse trabalho conjunto para a proteção de nossos jovens.

Não que um prato de comida ou um agasalho para os menores seja pouco. É certo que isso já ajuda, mas não é o suficiente. Os integrantes de nossa sociedade, desde o mais simples até o que detém mais poderes, têm nas mãos a responsabilidade para tentar reverter o quadro de penúria que enreda nossos jovens.

Têm sido bastante proveitosos os projetos envolvendo a concessão de bolsas de estudo para os jovens carentes, assim como o ensino profissionalizante especializado. Sairão eles dos cursos capacitados para enfrentar o mercado de trabalho em igualdade de condições com as pessoas que puderam ter os conhecimentos técnicos à mão com maior facilidade.

As creches e escolas comunitárias também têm sido muito edificantes, não só pelo aspecto educacional, como também pelo fato de manter as crianças e os adolescentes longe das ruas e das influências perniciosas de pessoas inescrupulosas, as quais, quando não querem utilizar os jovens como traficantes mirins, desejam material farto e barato para a nojenta exploração sexual.

Os programas de saúde igualmente agem de forma satisfatória quando a própria comunidade se engaja. Com formação técnica adequada, pessoas podem se dirigir aos jovens e lhes ensinar a cuidar melhor de si no aspecto sexual, por exemplo, evitando a gravidez precoce ou a contração de doenças venéreas e AIDS.

Outro aspecto que a própria sociedade pode abordar e encarar de frente é a violência contra os menores. Cada vizinhança, ao tomar conhecimento de que determinada criança ou adolescente está sendo objeto de maus-tratos por parte de seus pais, na proporção que for, poderá fazer denúncias (ainda que sejam anônimas), acionando os serviços públicos de proteção aos menores.

As escolas e os hospitais também possuem corpo técnico capacitado para receber tais denúncias (profissionais desses estabelecimentos podem inclusive ser sujeitos ao pagamento de multa judicial caso se calem sobre a ocorrência de maus-tratos), bastando aos integrantes da comunidade ter coragem e voz ativa na defesa intransigente das pequenas vítimas contra qualquer tipo de abuso.

Como pudemos ver, o Estatuto da Criança e do Adolescente constitui uma legislação de vanguarda no tocante à defesa dos direitos dos jovens, fornecendo diretrizes básicas para o exercício dessa tutela nos mais variados níveis, tanto pelo Poder Público como pela iniciativa privada, em especial pela comunidade em que vivem os jovens em situação de risco.

Compete, portanto, a todos nós a defesa intransigente desses direitos, de forma que possamos dizer (não no futuro, porque o futuro do jovem é agora) que, para determinada criança ou adolescente, nós fizemos a diferença. É necessário colocar mãos à obra, porque ainda existe muito a ser feito em benefício de nossos menores.

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