AS BOTAS DO PAPAI NOEL
Assumi a tarefa de bancar o Papai Noel. – É só pra animar as crianças, pobrezinhas... – dizia minha mulher, referindo-se a nossas filhas, de dois e três anos, e a aproximadamente outros quinze meninos e meninas da redondeza. – Você é o mais engraçado da família – acrescentava a sogra. Voto vencido, e sem outro Papai Noel à vista, coloquei-me à disposição do cargo. A roupa, confeccionada por minha cunhada, serviu certinho. Dava até pra colocar um travesseiro para aumentar a barriga. A máscara é que me martirizava. Dificultava a respiração e, o pior, os furos não encaixavam com meus olhos. Eu era um Papai Noel praticamente cego! Mas, vamos lá. O que não se faz pelas crianças...
Cheguei atrasado para a grande noite. Tive que me transformar em Papai Noel que nem o Clark Kent no Super Homem. Estava um calor dos diabos. Pra completar me entregaram um saco de brinquedos que parecia feito de chumbo. Estava todo vestido como o ‘bom velhinho’ quando minha cunhada olhou para meus pés e percebeu que eu vestia tênis.
– Cadê as botas? – interrogou, preocupada.
– E eu sei lá de botas... – resmunguei por trás da máscara, com uma voz cavernosa.
Ela disse que de tênis não daria pra ir, que as crianças iriam notar, etc e tal. Concordei. Afinal, apesar de dar a volta ao mundo entregando brinquedos, nenhum Papai Noel que se preze apareceria na casa de qualquer criança calçando tênis.
– E agora, o que a gente faz? – perguntei, olhando para o relógio dela. – Calma! – gritou, mostrando seu desespero. – A gente dá um jeito...
Fiquei sozinho na garagem da casa de meu sogro enquanto a cunhada saía. Com certeza, a minha ansiedade era superior a das crianças que aguardavam pela chegada do Papai Noel. Tirei a máscara. Estava com sede. Reparei pela fresta da porta que algumas crianças eram retiradas pelas mães do pátio da casa para que não tentassem entrar em meu esconderijo e estragassem a surpresa. Senti vontade de ir ao banheiro. Achei uma garrafa vazia e a transformei em mictório. Ri ao imaginar alguém entrando e flagrando o Papai Noel fazendo xixi numa garrafa de Coca Cola... Minha angústia aumentava.
A chegada da cunhada acalmou meus nervos. Trazia a solução para nossos problemas. Um velho coturno de meu sogro (militar aposentado) serviria de botas para o Papai Noel da garotada. Fiz o maior esforço para calçá-lo já que o coturno era bem menor que meu pé, mas não me entreguei. A alegria das crianças valia o esforço. – Vai assim mesmo! – disse, encorajado e vendo que faltavam menos de cinco minutos para a minha entrada triunfal.
À meia-noite em ponto as luzes se apagaram. “Minha deixa”, pensei. Abri a porta da garagem e me dirigi, quase sem enxergar nada, para a porta da casa que dava acesso à sala. Minha cunhada apareceu correndo e ainda me entregou um sino para que eu entrasse badalando aquele troço. – Agora sim – disse ela. – Está completo. Boa sorte. – E saiu rindo. Os dez metros que separavam a garagem da sala da casa de meu sogro foram vencidos a muito custo. Meus dedos queriam saltar para fora daquele pequeno coturno. Quando dei as primeiras badaladas ouvi uma gritaria. – É o Papai Noel! Ele veio! – gritavam os adultos.
A porta estava encostada. Arrumei a máscara para pelo menos um olho enxergar alguma coisa, estufei o peito e entrei casa adentro. A princípio acho que não agradei muito. A gurizada parecia mais assustada que satisfeita com a visita tão esperada. Não dei bola e fui entrando, arrastando aquele imenso saco e batendo o pesado sino. Meu Papai Noel caminhava que nem o Batoré. Queria sentar, mas não achava uma poltrona vaga. Não me fiz de rogado e falei com uma voz mais grave que a habitual e, com certeza, assustadora:
- Papai Noel quer sentar, tá cansado, com sede...
Imediatamente fui colocado numa poltrona ao lado da árvore de Natal e brindado com um copo dágua.
– Papai Noel prefere uma cervejinha bem gelada...
Minha sogra entregou-me um copo de cerveja, não sem antes me atravessar os olhos. Não dei bola e comecei a entregar os brinquedos, todos escritos com o nome das crianças. Antes da entrega eu fazia questão de dar um puxão de orelhas em cada criança, a pedido das mães, o que as deixava satisfeitas. Em dado momento, reparei por um dos buracos da máscara e vi minha filha mais velha, então com três anos, à distância, olhando desconfiada para meus pés.
Quando chamei seu nome para entregar-lhe o primeiro presente ela veio quase que empurrada. Com aquela voz abafada disse-lhe que tinha que respeitar mais a sua mãe, que não podia maltratar a irmã menor, que devia dormir mais cedo, enfim. Coisas que havia combinado com minha mulher para a ocasião. Ela ouviu tudo sem dizer nada. Pegou o presente e, mal deu o primeiro passo, exclamou: - as bota dele são igualzinha ao cotuno du vô...
Muitos presentes entregues e várias gargalhadas depois, minha sogra, vendo minha aflição – à essa hora eu já não enxergava mais nada e minha filha estava perguntando por mim – disse que eu (o Papai Noel) teria que ir pois ainda tinha que visitar outras casas, cujos meninos e meninas estavam ansiosos . Saí de fininho após o (proposital) apagar das luzes. Reapareci alguns minutos depois, com a certeza do dever cumprido, de cara lavada, bermudas e pés descalços...
* Claudino Nunes é jornalista, radialista e escritor. Natural de Bagé-RS, é Assessor de Imprensa da Câmara Municipal de Paranaguá-PR.
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Cheguei atrasado para a grande noite. Tive que me transformar em Papai Noel que nem o Clark Kent no Super Homem. Estava um calor dos diabos. Pra completar me entregaram um saco de brinquedos que parecia feito de chumbo. Estava todo vestido como o ‘bom velhinho’ quando minha cunhada olhou para meus pés e percebeu que eu vestia tênis.
– Cadê as botas? – interrogou, preocupada.
– E eu sei lá de botas... – resmunguei por trás da máscara, com uma voz cavernosa.
Ela disse que de tênis não daria pra ir, que as crianças iriam notar, etc e tal. Concordei. Afinal, apesar de dar a volta ao mundo entregando brinquedos, nenhum Papai Noel que se preze apareceria na casa de qualquer criança calçando tênis.
– E agora, o que a gente faz? – perguntei, olhando para o relógio dela. – Calma! – gritou, mostrando seu desespero. – A gente dá um jeito...
Fiquei sozinho na garagem da casa de meu sogro enquanto a cunhada saía. Com certeza, a minha ansiedade era superior a das crianças que aguardavam pela chegada do Papai Noel. Tirei a máscara. Estava com sede. Reparei pela fresta da porta que algumas crianças eram retiradas pelas mães do pátio da casa para que não tentassem entrar em meu esconderijo e estragassem a surpresa. Senti vontade de ir ao banheiro. Achei uma garrafa vazia e a transformei em mictório. Ri ao imaginar alguém entrando e flagrando o Papai Noel fazendo xixi numa garrafa de Coca Cola... Minha angústia aumentava.
A chegada da cunhada acalmou meus nervos. Trazia a solução para nossos problemas. Um velho coturno de meu sogro (militar aposentado) serviria de botas para o Papai Noel da garotada. Fiz o maior esforço para calçá-lo já que o coturno era bem menor que meu pé, mas não me entreguei. A alegria das crianças valia o esforço. – Vai assim mesmo! – disse, encorajado e vendo que faltavam menos de cinco minutos para a minha entrada triunfal.
À meia-noite em ponto as luzes se apagaram. “Minha deixa”, pensei. Abri a porta da garagem e me dirigi, quase sem enxergar nada, para a porta da casa que dava acesso à sala. Minha cunhada apareceu correndo e ainda me entregou um sino para que eu entrasse badalando aquele troço. – Agora sim – disse ela. – Está completo. Boa sorte. – E saiu rindo. Os dez metros que separavam a garagem da sala da casa de meu sogro foram vencidos a muito custo. Meus dedos queriam saltar para fora daquele pequeno coturno. Quando dei as primeiras badaladas ouvi uma gritaria. – É o Papai Noel! Ele veio! – gritavam os adultos.
A porta estava encostada. Arrumei a máscara para pelo menos um olho enxergar alguma coisa, estufei o peito e entrei casa adentro. A princípio acho que não agradei muito. A gurizada parecia mais assustada que satisfeita com a visita tão esperada. Não dei bola e fui entrando, arrastando aquele imenso saco e batendo o pesado sino. Meu Papai Noel caminhava que nem o Batoré. Queria sentar, mas não achava uma poltrona vaga. Não me fiz de rogado e falei com uma voz mais grave que a habitual e, com certeza, assustadora:
- Papai Noel quer sentar, tá cansado, com sede...
Imediatamente fui colocado numa poltrona ao lado da árvore de Natal e brindado com um copo dágua.
– Papai Noel prefere uma cervejinha bem gelada...
Minha sogra entregou-me um copo de cerveja, não sem antes me atravessar os olhos. Não dei bola e comecei a entregar os brinquedos, todos escritos com o nome das crianças. Antes da entrega eu fazia questão de dar um puxão de orelhas em cada criança, a pedido das mães, o que as deixava satisfeitas. Em dado momento, reparei por um dos buracos da máscara e vi minha filha mais velha, então com três anos, à distância, olhando desconfiada para meus pés.
Quando chamei seu nome para entregar-lhe o primeiro presente ela veio quase que empurrada. Com aquela voz abafada disse-lhe que tinha que respeitar mais a sua mãe, que não podia maltratar a irmã menor, que devia dormir mais cedo, enfim. Coisas que havia combinado com minha mulher para a ocasião. Ela ouviu tudo sem dizer nada. Pegou o presente e, mal deu o primeiro passo, exclamou: - as bota dele são igualzinha ao cotuno du vô...
Muitos presentes entregues e várias gargalhadas depois, minha sogra, vendo minha aflição – à essa hora eu já não enxergava mais nada e minha filha estava perguntando por mim – disse que eu (o Papai Noel) teria que ir pois ainda tinha que visitar outras casas, cujos meninos e meninas estavam ansiosos . Saí de fininho após o (proposital) apagar das luzes. Reapareci alguns minutos depois, com a certeza do dever cumprido, de cara lavada, bermudas e pés descalços...
* Claudino Nunes é jornalista, radialista e escritor. Natural de Bagé-RS, é Assessor de Imprensa da Câmara Municipal de Paranaguá-PR.
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