A VIDA SEM PAI
Tem proliferado nos Estados Unidos e na Europa revistas técnicas que procuram explicar temas complexos ao grande público. Os autores trocam em miúdos os resultados de pesquisas sofisticadas. Aliás, é isso que tenho procurado fazer, ao longo dos anos, nesta coluna.
A American Sociological Association acaba de publicar uma nova revista - "Contexts" - na qual li um interessante estudo sobre as conseqüências de se criar filhos com mães, mas sem pais. Nos Estados Unidos, metade das crianças que nascem hoje vai ser criada sem um dos pais biológicos, freqüentemente o pai.
As teorias variaram bastante nas últimas décadas. Nos anos de 1960, a maioria dos estudiosos achava que o divórcio levava as crianças à delinqüência, evasão escolar e problemas sociais. Na década de setenta, o pêndulo foi para a posição oposta: muitos sociólogos achavam que as mães, depois do divórcio, criavam melhor os filhos por estarem livres dos conflitos pessoais. Nos últimos vinte anos, a maioria dos estudiosos mostra que filhos que vivem só com a mãe (e longe do pai) param de estudar precocemente; graduam-se com dificuldade; iniciam a atividade sexual muito cedo; e, quando mulheres, tornam-se mães solteiras com freqüência (Sara Mclanaban, "Life without father: what happens to the children?", Contexts, vol. 1, no. 1). Tais pesquisas mostram ainda que, quando o pai sai de casa por opção, os filhos se sentem mais rejeitados do que quando ele morre.
O grande problema é estabelecer a relação causal entre esses fatos. A ausência do pai é causa ou mera coincidência?
Muitos estudos afirmam que os conflitos que precedem a saída do pai de casa são os grandes responsáveis. Outros põem a responsabilidade nos problemas que surgem depois da saída, em especial, os longos período de depressão vividos pelas ex-esposas, muitas das quais, enveredam pelo alcoolismo.
Como se vê, as evidências são contraditórias. Umas acentuam o pré-divórcio; outras, o pós-divórcio. Há consenso, porém, que a figura do pai (masculino) faz falta para o equilíbrio psico-social dos filhos. As causas são diretas e indiretas. Famílias com pais ausentes tendem a sofrer mais do ponto de vista econômico. A privação econômica se desdobra em educação mais precária e vida social limitada. Isso afeta a qualidade da escola, do lazer, da cultura, e do sossego dentro do lar. A própria educação materna é comprometida. Mães intranqüilas não educam bem os filhos.
O que pode ser feito para atenuar esses problemas? Com auxílio da mídia - em especial a televisão - e dos recursos pedagógicos, os países mais avançados estão desenvolvendo campanhas esclarecedoras para os país que pretendem deixar os filhos com as mães. Nelas são discutidos os riscos dessa decisão. Isso não afasta o divórcio, é claro. Mas tem ajudado os esposos a manterem um bom relacionamento com a esposa e com os filhos depois do divórcio. Em alguns casos, acaba induzindo o casal a reconstruir o casamento; em outros, a estabelecer uma vivência cooperativa depois da separação.
As conclusões desses estudos pretendem ser universais. Afinal, elas dizem respeito aos comportamentos básicos dos seres humanos e todos insistem na importância dos pais cultivarem um contato afetuoso com seus filhos depois da separação.
Mas não se pode ignorar as diferenças culturais, é claro. No Brasil, ainda são poucos os casais que se separam de forma legal, mesmo porque eles não se uniram dessa maneira. A prática mais comum é a do pai seguir o seu caminho e deixar os filhos com a mãe. Não é a toa que se multiplicam os programas de rádio e TV que, explorando o sofrimento humano, prometem aos jovens encontrar seus pais. Raramente se vê alguém em busca da mãe. É o homem que abandona o lar e se distancia cada vez mais. Nessas circunstâncias, os problemas são agravados, lembrando-se que, segundo o Censo de 2000, 25% dos domicílios brasileiros são chefiados apenas por mulher.
Isso é uma sobrecarga muito grande para as mães e a marcação de um destino sombrio para milhares de jovens. Não seria demais se as autoridades patrocinassem campanhas do tipo acima nos meios de comunicação e nas instituições da saúde, educação, assistência social e Justiça.
José Pastore é sociólogo, especialista em relações do trabalho e desenvolvimento institucional, professor (aposentado) da Faculdade de Economia e Administração e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, ambas da Universidade de São Paulo. É membro efetivo da Academia Paulista de Letras.
Fonte: http://www.josepastore.com.br/artigos/cotidiano/096.htm
A American Sociological Association acaba de publicar uma nova revista - "Contexts" - na qual li um interessante estudo sobre as conseqüências de se criar filhos com mães, mas sem pais. Nos Estados Unidos, metade das crianças que nascem hoje vai ser criada sem um dos pais biológicos, freqüentemente o pai.
As teorias variaram bastante nas últimas décadas. Nos anos de 1960, a maioria dos estudiosos achava que o divórcio levava as crianças à delinqüência, evasão escolar e problemas sociais. Na década de setenta, o pêndulo foi para a posição oposta: muitos sociólogos achavam que as mães, depois do divórcio, criavam melhor os filhos por estarem livres dos conflitos pessoais. Nos últimos vinte anos, a maioria dos estudiosos mostra que filhos que vivem só com a mãe (e longe do pai) param de estudar precocemente; graduam-se com dificuldade; iniciam a atividade sexual muito cedo; e, quando mulheres, tornam-se mães solteiras com freqüência (Sara Mclanaban, "Life without father: what happens to the children?", Contexts, vol. 1, no. 1). Tais pesquisas mostram ainda que, quando o pai sai de casa por opção, os filhos se sentem mais rejeitados do que quando ele morre.
O grande problema é estabelecer a relação causal entre esses fatos. A ausência do pai é causa ou mera coincidência?
Muitos estudos afirmam que os conflitos que precedem a saída do pai de casa são os grandes responsáveis. Outros põem a responsabilidade nos problemas que surgem depois da saída, em especial, os longos período de depressão vividos pelas ex-esposas, muitas das quais, enveredam pelo alcoolismo.
Como se vê, as evidências são contraditórias. Umas acentuam o pré-divórcio; outras, o pós-divórcio. Há consenso, porém, que a figura do pai (masculino) faz falta para o equilíbrio psico-social dos filhos. As causas são diretas e indiretas. Famílias com pais ausentes tendem a sofrer mais do ponto de vista econômico. A privação econômica se desdobra em educação mais precária e vida social limitada. Isso afeta a qualidade da escola, do lazer, da cultura, e do sossego dentro do lar. A própria educação materna é comprometida. Mães intranqüilas não educam bem os filhos.
O que pode ser feito para atenuar esses problemas? Com auxílio da mídia - em especial a televisão - e dos recursos pedagógicos, os países mais avançados estão desenvolvendo campanhas esclarecedoras para os país que pretendem deixar os filhos com as mães. Nelas são discutidos os riscos dessa decisão. Isso não afasta o divórcio, é claro. Mas tem ajudado os esposos a manterem um bom relacionamento com a esposa e com os filhos depois do divórcio. Em alguns casos, acaba induzindo o casal a reconstruir o casamento; em outros, a estabelecer uma vivência cooperativa depois da separação.
As conclusões desses estudos pretendem ser universais. Afinal, elas dizem respeito aos comportamentos básicos dos seres humanos e todos insistem na importância dos pais cultivarem um contato afetuoso com seus filhos depois da separação.
Mas não se pode ignorar as diferenças culturais, é claro. No Brasil, ainda são poucos os casais que se separam de forma legal, mesmo porque eles não se uniram dessa maneira. A prática mais comum é a do pai seguir o seu caminho e deixar os filhos com a mãe. Não é a toa que se multiplicam os programas de rádio e TV que, explorando o sofrimento humano, prometem aos jovens encontrar seus pais. Raramente se vê alguém em busca da mãe. É o homem que abandona o lar e se distancia cada vez mais. Nessas circunstâncias, os problemas são agravados, lembrando-se que, segundo o Censo de 2000, 25% dos domicílios brasileiros são chefiados apenas por mulher.
Isso é uma sobrecarga muito grande para as mães e a marcação de um destino sombrio para milhares de jovens. Não seria demais se as autoridades patrocinassem campanhas do tipo acima nos meios de comunicação e nas instituições da saúde, educação, assistência social e Justiça.
José Pastore é sociólogo, especialista em relações do trabalho e desenvolvimento institucional, professor (aposentado) da Faculdade de Economia e Administração e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, ambas da Universidade de São Paulo. É membro efetivo da Academia Paulista de Letras.
Fonte: http://www.josepastore.com.br/artigos/cotidiano/096.htm