DO HOMEM BOMBA AO FILHO BOMBA
Quem não se arrepia toda vez que recebe a noticia de que um homem, geralmente um adolescentes, se imola e detona num atentado a bomba? A primeira reação é disser “Que fanatismo!”. Até onde é capaz de chegar o homem pelos princípios religiosos? Ou a que cúmulo de desespero chega o ser humano de encontrar como única saída, para as dificuldades econômicas da família o próprio sacrifício. Junto à retribuição econômica para a família do imolado existe um outro premio, muitas vezes bem mais desejado. “Alá” esperando ou “donzelas” acompanhando o transcurso da vida para além da eternidade, estas parecem ser alguma das tantas explicações, que poderiam permitir compreender aquilo que para muitos de nós, é incompreensível.
Certamente acho muito difícil para muitos que vivemos no mundo ocidental dentro da chamada tradição judaico-cristão, aceitar “naturalmente” o uso de seres humanos para matar outros seres humanos. As dimensões desse tipo de sacrifício humano, o ódio profundo de quem se imola a identificação com a causa pela que lutam faz do sujeito que comete um suicídio-assassinato em massa um sujeito dono do próprio destino e ator da trama escolhida. O suicídio-assassinato é bastante comum na experiência humana na trama romanceada ou real do amor incompreendido ou impossível, da paixão não correspondida, da dor imensurável capaz de fazer sentir que o fim da própria vida é a melhor solução. Jornais às vezes mostram no mundo ocidental este tipo de situações que nos fazem pensar nalgum tipo de loucura: tirar a própria vida e a do companheiro.
Com uma menor freqüência, mas aparece como um fenômeno das últimas décadas, mas comum, no Oriente Médio é o caso dos homens bomba. Nos atentados terroristas de grupos ou facões comunistas a bomba é colocada no local a ser atingido, é utilizado carros-bombas sem seres humanos para esses efeitos. A imolação de um homem no atentado terrorista é um fenômeno que nos remete ao mundo muçulmano. Alguns devem já ter assistido nos jornais televisivos à despedida da família do herói-homem/mulher bomba, e observado algumas atitudes que parecem não mostrar dor ou sofrimento para os nossos parâmetros. Na tradição cristã do século XVI encontram-se alguns celebres exemplos de castigos infringidos ao próprio corpo descritas em crônicas e romances, uma versão, mas moderna se observa nas telas de TV, nas caminhadas de joelhos de alguns fieis do século XX. Parece-me que não conseguimos encontrar na tradição ocidental algo semelhante ao sacrifício do “homem-bomba”
Duvido que algum pai ou mãe goste imaginar o filho/a em condições semelhantes de sacrifício ou imolação. Mas por outro lado, é bastante comum de se observar situações, nas quais filhos de pais separados são colocados em situações que lembram muito a imagem do homem bomba. Como o homem bomba vai ao encontro final ou a passagem da vida para a morte? Provavelmente deva ir cheio de ódio pelo inimigo, carregado de dinamite no corpo que detonara no momento certo do encontro com o alvo inimigo. Segundo o grau de religiosidade provavelmente também deva ir ao encontro da morte como passagem transcendental. Só que a diferencia do homem bomba, e a dos filhos de pais separados, é que estes últimos não tem consciência de que maneira vão sendo carregados negativamente contra um dos pais, como tampouco tem consciência do momento no qual eles são capazes de detonar a bomba. Muitos pais de maneira indiscriminada utilizam o filho para descarregar a raiva contra o ex-conjugue, denegrindo-o, ressaltando os defeitos, enfatizando o mal, comentando quanto dinheiro tira deles etc. É como se no ato de descarregar o mal-estar o alivio os fizesse sentir quão diferente ou melhores são do que o outro. Há uma grande quantidade de estudos sobre a luta dos pais pela guarda dos filhos, e as grandes maiorias de autores apontam a observar que aquilo que o casal não resolveu precisa colocá-lo na disputa pelos filhos. Evidentemente o corolário dessa disputa é como a criança é colocada no meio desse bombardeio.
Do lado do filho, não existe um filtro capaz de reconhecer que isso que o papai ou a mamãe falam ao respeito do outro, se deve geralmente a: o grande amor se transformou em um imenso ódio; não sabem discriminar que não é tudo que o filho pode ouvir prevalência de sentimentos de mágoa ou de não aceitação da situação de separação etc. Penso em muitos dos casos observados nos quais é comum os pais falarem para os filhos quanto o conjugue é errado, quando fez ou disse X ou Y, quão perturbado ou louco se encontra, quanto mal lhe fez com tais atitudes, etc. Em suma o filho vai recebendo em doses homeopáticas uma serie de afirmações, confirmações da inadequação de um dos pais, e dessa maneira vai sendo carregado (qual pólvora ou dinamite). Na maioria dos casos não há uma associação ou consciência do ódio ou raiva com a qual vai sendo carregado, e, a semelhança do homem bomba, ira colocando na própria cintura a pólvora que detonará. O filho recebe uma carga/pólvora de argumentos capazes de produzir no encontro com o pai/mãe o ataque dirigido à função mãe/pai, ou a pessoa: humilhação-burla desprezo, desautorização, insulto quando não raro se assiste ao espetáculo da violência ou agressão física concreta. Assim o filho sem ele perceber é utilizado como estopim ou pólvora.
Assim raramente os pais que se separam pensam no tipo atitudes que tem para com o filho/a colocado como peça dentro de um jogo na briga com o ex-marido/ex-mulher. Algumas vezes fica no lugar de troféu da luta, outras vezes como uma peça dentro de um tabuleiro de xadrez prestes ser colocado fora ou ser a peça que acaba presa nas armadilhas do jogo. Pai e mãe esquecem que o que os separa é uma diferença do homem e mulher que eram antes de ser pai e mãe. A ruptura é do laço marital, e não do laço parental, confundem e não discriminam relação marital da parental. Quando um homem e uma mulher se separam, e tem filhos, à diferença de uma briga de namorados eles têm responsabilidades para com os filhos. Na separação o que se rompe é o vinculo, a relação de compromisso que unia esse casal como homem e mulher. O que permanece é a relação de parentalidade que vincula esse pai e mãe pelo resto das suas vidas. O dialogo relativo à educação dos filhos é fundamental. Após a separação muitos pais continuam a lutar por pequenas coisas que viram grandes coisas: a pensão, a guarda, a visitação, a escola que freqüenta, o medico que atende o filho, quem busca das festas, ou porque só um faz isso e o outro não faz, pelos dez reais enviados e que não se soube que fim levou! Estas são as pequenas e grandes coisas concretas que são motivo de discussão, brigas. Situações que precisam de decisões e cumprimento de acordos. É nesse palco que se dão as lutas e as disputas, onde os filhos pelos que se luta são os mais esquecido no desejo de triunfo. Sidney Shine (2002) Leila Brito (2000) apresentam trabalhos bastante esclarecedores ao respeito. Eles priorizaram os assuntos relativos à guarda da criança e a luta pela guarda. Muitos dos novos estudiosos do assunto sugerem as vantagens da guarda compartilhada, mas para ela poder se dar e existir deverá antes que, mas nada um clima de respeito, aceitação e camaradagem. Ao final esse casal se separou, mas continuam a ser pai e mãe dessas crianças e o que menos desejariam conscientemente seria que eles servissem de pólvora ou estopim.
Nos inícios da minha atividade profissional, atendi a uma menina de sete anos filha de pais separados, quando o pai retirava-a para passar o fim de semana com ele, assim que ela entrava no carro, obrigava-a a trocar de roupa e vestir-se com as roupas que ele tinha lhe comprado e que deveria usar quando ficava com ele. O mesmo ritual era realizado assim que era entregue na casa da mãe: ela era obrigada a colocar a roupa com a qual ela tinha saído antes de entrar no carro dele. Ritual que se repetia quinzenalmente na data da visita. Não gostaria de entrar em considerações sobre a patologia paterna, apenas observar o que essa mensagem estava marcando no imaginário infantil de Anna que cada vez que se encontrava com o pai parecia ouvir como recado: aquilo que você traz da mãe contamina nosso encontro ou para você estar comigo deveras estar com aquilo que te dou ou sem nada que lembre aquilo que disse respeito da tua mãe. Anna, nome fictício da menina vivia já nos inícios da escolaridade grandes dificuldades de aprendizagem, parecia estar alheia ao mundo e se isolava do resto dos colegas queixa que a levou a terapia. A escolaridade assim como a sociabilidade estava comprometida. Concordaram que as dificuldades não decorriam do fato de ser filha de “pais separados”, e, sim porque ela fazia parte de um jogo onde existiam elementos no mundo que estavam carregados de “algo” semelhante a um perigo e que esse perigo ela trazia junto consigo (roupas que a mãe tinha lhe comprado), porque de outra maneira não poderia ser entendido que ela sistematicamente tivesse de retirar a roupa assim que ela entrava no carro do pai. Anna estava presa ao jogo parental onde o medo, a contaminação do negativo (materno/paterno) era expulso. Anna não tinha condições mentais de processar este incrível manejo de “expulsão” “purificação”, com sete anos ela era uma peça dentro de uma trama de características psicóticas. O psicótico precisa de alguns rituais de “purificação”, separação concreta do que é tido como bom e como mal. No mundo psíquico desta menina ora o bem estava do lado da mãe, ou do lado do pai, integrar a coexistência de ambos numa das figuras só poderia acontecer depois de muitos anos de análise. Uma condição tal a impedia de estudar e se relacionar com os colegas dentro da escola, se ela tivesse algum colega apenas podiam ser aqueles que não conseguiam aprender como ela. O encaminhamento para uma analise nos inícios deste tipo de dificuldade lhe permitiu vivenciar a possibilidade de integrar o bom e o ruim, de aceitar que ela não estava contaminada do presunto mal que alguma das figuras parentais tinha para o outro. Anna apreendeu com grande custo a conviver com ambos os pais, separar aquilo que cada um lhe dava e discriminar o que era dela, e o que era do pai e o que era da mãe. Quando Anna conseguiu fazer isto ela pôde começar a aprender na escola e a ter menos medo do contato com os colegas e a se relacionar com os colegas, não apenas com aqueles, que tinham dificuldades escolares.
É interessante no caso de Anna, hoje uma adulta tentando viver a própria vida e que relutou durante muitos anos a formalizar uma relação saudável para ela. Durante muito tempo de analises ela não conseguia fazer outra coisa a não ser destruir o material lúdico que tinha na caixa lúdica. Muitas vezes era mais rápida que eu na maneira de atirar os objetos para fora da sala. Parecia que não podia existir um brinquedo sem este ser ou jogado ou quebrado. As vivências internas destrutivas eram dramatizadas na relação comigo, como alvo dos seus ataques. Analisando hoje, o quanto Anna mostrava sua destrutividade para com os objetos da caixa lúdica e para comigo na transferência (ataques de vários os tipos), penso que ela queria me mostrar o quanto os seus objetos internos estavam danificados, destruídos e como parecia que não podiam permanecer inteiros ou vivos. Naquela época, não existia homem bomba, os atentados terroristas tinham como alvo embaixadas, locais públicos, e eram introduzidas as bombas através de objetos (carros, caixas, cartas). Hoje quase três décadas depois penso em Anna, e em como ela chegava à minha consulta carregada de pólvora que precisava detonar. Naquela então como terapeuta minha função foi interpretar e dar continência ao seu sofrimento, mostrar que seus ataques não me destruíam assim como ajudá-la a discriminar e discriminar-se destas imagos parentais que de alguma maneira a enlouqueciam.
Uma diferença importante é que Anna era minha paciente, e ainda que 30 anos atrás, fosse um aprendiz de analista (embora num sentido contínuo cada paciente seja particularmente um novo encontro de aprendizagem), estava preparada para receber a agressividade, analisar a destruição na relação terapêutica. O pai ou a mãe que recebem esse bolo de agressividade em primeiro lugar não está na função de terapeuta, portanto, como qualquer ser humano sente-se atingido e sofre com o ataque. Não necessariamente consegue discriminar a origem da agressividade se é o filho falando ou é o ex-conjugue mandando mensagem. A semelhança da minha paciente esse pai/mãe precisaram discriminar o que é de cada um para assim também não tomar atitudes tão comuns nos casos de separação: retaliação dirigida ao filho. O filho como alvo do sentimento dirigido ao conjugue, ou atitudes típicas de chantagem emocional: “como você pode me tratar desse jeito sendo que eu faço de tudo por você” “faço o que pede se morar comigo” “se você estivesse todo o dia comigo não terias essas dificuldades”.
Finalizando penso que na separação todos perdem, todos sofrem, mas que fundamentalmente as maiores dificuldades se dão devido a que à discórdia que separou o casal parece não só se manter como se sofisticar com grande prejuízo para os filhos que acabam sendo alvos da dinamite. Infelizmente não todas as crianças fazem sintomas logo após da separação. Em alguns casos até mostram sintomas somáticos que não são lidos como psíquicos ou contextualizados. Algumas crianças dirigem a agressividade para outros espaços, escola, irmãos, professores ou elas próprias. É muito fácil determinar ou penalizar de maneira às vezes preconceituosa: “filho de pai separado tem problema” ou discriminar essa criança do convívio quotidiano por considerá-la potencialmente problemática (há duas ou três décadas atrás crianças de pais separados às vezes eram discriminadas do convívio social pelo estigma de ser filha/o de pais separados). O que é muito mais difícil é poder reconhecer que não é o fato da separação que traz problemas psíquicos a criança e sim o que esse pai ou essa mãe fazem do próprio filho.
Psicóloga/psicanalista:
Maria Antonieta Pezo
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Certamente acho muito difícil para muitos que vivemos no mundo ocidental dentro da chamada tradição judaico-cristão, aceitar “naturalmente” o uso de seres humanos para matar outros seres humanos. As dimensões desse tipo de sacrifício humano, o ódio profundo de quem se imola a identificação com a causa pela que lutam faz do sujeito que comete um suicídio-assassinato em massa um sujeito dono do próprio destino e ator da trama escolhida. O suicídio-assassinato é bastante comum na experiência humana na trama romanceada ou real do amor incompreendido ou impossível, da paixão não correspondida, da dor imensurável capaz de fazer sentir que o fim da própria vida é a melhor solução. Jornais às vezes mostram no mundo ocidental este tipo de situações que nos fazem pensar nalgum tipo de loucura: tirar a própria vida e a do companheiro.
Com uma menor freqüência, mas aparece como um fenômeno das últimas décadas, mas comum, no Oriente Médio é o caso dos homens bomba. Nos atentados terroristas de grupos ou facões comunistas a bomba é colocada no local a ser atingido, é utilizado carros-bombas sem seres humanos para esses efeitos. A imolação de um homem no atentado terrorista é um fenômeno que nos remete ao mundo muçulmano. Alguns devem já ter assistido nos jornais televisivos à despedida da família do herói-homem/mulher bomba, e observado algumas atitudes que parecem não mostrar dor ou sofrimento para os nossos parâmetros. Na tradição cristã do século XVI encontram-se alguns celebres exemplos de castigos infringidos ao próprio corpo descritas em crônicas e romances, uma versão, mas moderna se observa nas telas de TV, nas caminhadas de joelhos de alguns fieis do século XX. Parece-me que não conseguimos encontrar na tradição ocidental algo semelhante ao sacrifício do “homem-bomba”
Duvido que algum pai ou mãe goste imaginar o filho/a em condições semelhantes de sacrifício ou imolação. Mas por outro lado, é bastante comum de se observar situações, nas quais filhos de pais separados são colocados em situações que lembram muito a imagem do homem bomba. Como o homem bomba vai ao encontro final ou a passagem da vida para a morte? Provavelmente deva ir cheio de ódio pelo inimigo, carregado de dinamite no corpo que detonara no momento certo do encontro com o alvo inimigo. Segundo o grau de religiosidade provavelmente também deva ir ao encontro da morte como passagem transcendental. Só que a diferencia do homem bomba, e a dos filhos de pais separados, é que estes últimos não tem consciência de que maneira vão sendo carregados negativamente contra um dos pais, como tampouco tem consciência do momento no qual eles são capazes de detonar a bomba. Muitos pais de maneira indiscriminada utilizam o filho para descarregar a raiva contra o ex-conjugue, denegrindo-o, ressaltando os defeitos, enfatizando o mal, comentando quanto dinheiro tira deles etc. É como se no ato de descarregar o mal-estar o alivio os fizesse sentir quão diferente ou melhores são do que o outro. Há uma grande quantidade de estudos sobre a luta dos pais pela guarda dos filhos, e as grandes maiorias de autores apontam a observar que aquilo que o casal não resolveu precisa colocá-lo na disputa pelos filhos. Evidentemente o corolário dessa disputa é como a criança é colocada no meio desse bombardeio.
Do lado do filho, não existe um filtro capaz de reconhecer que isso que o papai ou a mamãe falam ao respeito do outro, se deve geralmente a: o grande amor se transformou em um imenso ódio; não sabem discriminar que não é tudo que o filho pode ouvir prevalência de sentimentos de mágoa ou de não aceitação da situação de separação etc. Penso em muitos dos casos observados nos quais é comum os pais falarem para os filhos quanto o conjugue é errado, quando fez ou disse X ou Y, quão perturbado ou louco se encontra, quanto mal lhe fez com tais atitudes, etc. Em suma o filho vai recebendo em doses homeopáticas uma serie de afirmações, confirmações da inadequação de um dos pais, e dessa maneira vai sendo carregado (qual pólvora ou dinamite). Na maioria dos casos não há uma associação ou consciência do ódio ou raiva com a qual vai sendo carregado, e, a semelhança do homem bomba, ira colocando na própria cintura a pólvora que detonará. O filho recebe uma carga/pólvora de argumentos capazes de produzir no encontro com o pai/mãe o ataque dirigido à função mãe/pai, ou a pessoa: humilhação-burla desprezo, desautorização, insulto quando não raro se assiste ao espetáculo da violência ou agressão física concreta. Assim o filho sem ele perceber é utilizado como estopim ou pólvora.
Assim raramente os pais que se separam pensam no tipo atitudes que tem para com o filho/a colocado como peça dentro de um jogo na briga com o ex-marido/ex-mulher. Algumas vezes fica no lugar de troféu da luta, outras vezes como uma peça dentro de um tabuleiro de xadrez prestes ser colocado fora ou ser a peça que acaba presa nas armadilhas do jogo. Pai e mãe esquecem que o que os separa é uma diferença do homem e mulher que eram antes de ser pai e mãe. A ruptura é do laço marital, e não do laço parental, confundem e não discriminam relação marital da parental. Quando um homem e uma mulher se separam, e tem filhos, à diferença de uma briga de namorados eles têm responsabilidades para com os filhos. Na separação o que se rompe é o vinculo, a relação de compromisso que unia esse casal como homem e mulher. O que permanece é a relação de parentalidade que vincula esse pai e mãe pelo resto das suas vidas. O dialogo relativo à educação dos filhos é fundamental. Após a separação muitos pais continuam a lutar por pequenas coisas que viram grandes coisas: a pensão, a guarda, a visitação, a escola que freqüenta, o medico que atende o filho, quem busca das festas, ou porque só um faz isso e o outro não faz, pelos dez reais enviados e que não se soube que fim levou! Estas são as pequenas e grandes coisas concretas que são motivo de discussão, brigas. Situações que precisam de decisões e cumprimento de acordos. É nesse palco que se dão as lutas e as disputas, onde os filhos pelos que se luta são os mais esquecido no desejo de triunfo. Sidney Shine (2002) Leila Brito (2000) apresentam trabalhos bastante esclarecedores ao respeito. Eles priorizaram os assuntos relativos à guarda da criança e a luta pela guarda. Muitos dos novos estudiosos do assunto sugerem as vantagens da guarda compartilhada, mas para ela poder se dar e existir deverá antes que, mas nada um clima de respeito, aceitação e camaradagem. Ao final esse casal se separou, mas continuam a ser pai e mãe dessas crianças e o que menos desejariam conscientemente seria que eles servissem de pólvora ou estopim.
Nos inícios da minha atividade profissional, atendi a uma menina de sete anos filha de pais separados, quando o pai retirava-a para passar o fim de semana com ele, assim que ela entrava no carro, obrigava-a a trocar de roupa e vestir-se com as roupas que ele tinha lhe comprado e que deveria usar quando ficava com ele. O mesmo ritual era realizado assim que era entregue na casa da mãe: ela era obrigada a colocar a roupa com a qual ela tinha saído antes de entrar no carro dele. Ritual que se repetia quinzenalmente na data da visita. Não gostaria de entrar em considerações sobre a patologia paterna, apenas observar o que essa mensagem estava marcando no imaginário infantil de Anna que cada vez que se encontrava com o pai parecia ouvir como recado: aquilo que você traz da mãe contamina nosso encontro ou para você estar comigo deveras estar com aquilo que te dou ou sem nada que lembre aquilo que disse respeito da tua mãe. Anna, nome fictício da menina vivia já nos inícios da escolaridade grandes dificuldades de aprendizagem, parecia estar alheia ao mundo e se isolava do resto dos colegas queixa que a levou a terapia. A escolaridade assim como a sociabilidade estava comprometida. Concordaram que as dificuldades não decorriam do fato de ser filha de “pais separados”, e, sim porque ela fazia parte de um jogo onde existiam elementos no mundo que estavam carregados de “algo” semelhante a um perigo e que esse perigo ela trazia junto consigo (roupas que a mãe tinha lhe comprado), porque de outra maneira não poderia ser entendido que ela sistematicamente tivesse de retirar a roupa assim que ela entrava no carro do pai. Anna estava presa ao jogo parental onde o medo, a contaminação do negativo (materno/paterno) era expulso. Anna não tinha condições mentais de processar este incrível manejo de “expulsão” “purificação”, com sete anos ela era uma peça dentro de uma trama de características psicóticas. O psicótico precisa de alguns rituais de “purificação”, separação concreta do que é tido como bom e como mal. No mundo psíquico desta menina ora o bem estava do lado da mãe, ou do lado do pai, integrar a coexistência de ambos numa das figuras só poderia acontecer depois de muitos anos de análise. Uma condição tal a impedia de estudar e se relacionar com os colegas dentro da escola, se ela tivesse algum colega apenas podiam ser aqueles que não conseguiam aprender como ela. O encaminhamento para uma analise nos inícios deste tipo de dificuldade lhe permitiu vivenciar a possibilidade de integrar o bom e o ruim, de aceitar que ela não estava contaminada do presunto mal que alguma das figuras parentais tinha para o outro. Anna apreendeu com grande custo a conviver com ambos os pais, separar aquilo que cada um lhe dava e discriminar o que era dela, e o que era do pai e o que era da mãe. Quando Anna conseguiu fazer isto ela pôde começar a aprender na escola e a ter menos medo do contato com os colegas e a se relacionar com os colegas, não apenas com aqueles, que tinham dificuldades escolares.
É interessante no caso de Anna, hoje uma adulta tentando viver a própria vida e que relutou durante muitos anos a formalizar uma relação saudável para ela. Durante muito tempo de analises ela não conseguia fazer outra coisa a não ser destruir o material lúdico que tinha na caixa lúdica. Muitas vezes era mais rápida que eu na maneira de atirar os objetos para fora da sala. Parecia que não podia existir um brinquedo sem este ser ou jogado ou quebrado. As vivências internas destrutivas eram dramatizadas na relação comigo, como alvo dos seus ataques. Analisando hoje, o quanto Anna mostrava sua destrutividade para com os objetos da caixa lúdica e para comigo na transferência (ataques de vários os tipos), penso que ela queria me mostrar o quanto os seus objetos internos estavam danificados, destruídos e como parecia que não podiam permanecer inteiros ou vivos. Naquela época, não existia homem bomba, os atentados terroristas tinham como alvo embaixadas, locais públicos, e eram introduzidas as bombas através de objetos (carros, caixas, cartas). Hoje quase três décadas depois penso em Anna, e em como ela chegava à minha consulta carregada de pólvora que precisava detonar. Naquela então como terapeuta minha função foi interpretar e dar continência ao seu sofrimento, mostrar que seus ataques não me destruíam assim como ajudá-la a discriminar e discriminar-se destas imagos parentais que de alguma maneira a enlouqueciam.
Uma diferença importante é que Anna era minha paciente, e ainda que 30 anos atrás, fosse um aprendiz de analista (embora num sentido contínuo cada paciente seja particularmente um novo encontro de aprendizagem), estava preparada para receber a agressividade, analisar a destruição na relação terapêutica. O pai ou a mãe que recebem esse bolo de agressividade em primeiro lugar não está na função de terapeuta, portanto, como qualquer ser humano sente-se atingido e sofre com o ataque. Não necessariamente consegue discriminar a origem da agressividade se é o filho falando ou é o ex-conjugue mandando mensagem. A semelhança da minha paciente esse pai/mãe precisaram discriminar o que é de cada um para assim também não tomar atitudes tão comuns nos casos de separação: retaliação dirigida ao filho. O filho como alvo do sentimento dirigido ao conjugue, ou atitudes típicas de chantagem emocional: “como você pode me tratar desse jeito sendo que eu faço de tudo por você” “faço o que pede se morar comigo” “se você estivesse todo o dia comigo não terias essas dificuldades”.
Finalizando penso que na separação todos perdem, todos sofrem, mas que fundamentalmente as maiores dificuldades se dão devido a que à discórdia que separou o casal parece não só se manter como se sofisticar com grande prejuízo para os filhos que acabam sendo alvos da dinamite. Infelizmente não todas as crianças fazem sintomas logo após da separação. Em alguns casos até mostram sintomas somáticos que não são lidos como psíquicos ou contextualizados. Algumas crianças dirigem a agressividade para outros espaços, escola, irmãos, professores ou elas próprias. É muito fácil determinar ou penalizar de maneira às vezes preconceituosa: “filho de pai separado tem problema” ou discriminar essa criança do convívio quotidiano por considerá-la potencialmente problemática (há duas ou três décadas atrás crianças de pais separados às vezes eram discriminadas do convívio social pelo estigma de ser filha/o de pais separados). O que é muito mais difícil é poder reconhecer que não é o fato da separação que traz problemas psíquicos a criança e sim o que esse pai ou essa mãe fazem do próprio filho.
Psicóloga/psicanalista:
Maria Antonieta Pezo
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