PAI INTEGRAL
Homens reavaliam pontos de vista e redescobrem o encanto de ser pai
Desesperado pelo fato de ver os filhos apenas a cada 15 dias, Daniel decide usar roupas femininas e trabalhar como babá na casa da ex-mulher para participar pelo menos como coadjuvante na criação das crianças. Paulo, por sua vez, inconformado também pelas visitas quinzenais, mudou-se de Londres para o Brasil, na tentativa de se aproximar da filha, trazida pela mãe logo após a separação do casal. Não vendo de imediato muitos progressos, resolveu criar uma página na internet para mostrar ao mundo que os homens continuam a ser pais mesmo depois da separação. A primeira cena faz parte do filme "Uma babá quase perfeita", no qual o ator Robin Williams vive Daniel, o pai que faz o possível e o impossível para não perder o amor dos filhos. A segunda faz parte da vida real do analista e programador de sistemas Paulo Habl, 47 anos, separado da filha que teve no primeiro casamento por uma decisão judicial. Como na ficção, ele também buscou todas as formas de continuar a conviver com a criança.
Mesmo retratando um caso cinematográfico e outro da vida real, situações como essas não são tão raras no mundo atual. Homens e mulheres passam por transformações de valores, onde os papéis de cada um na estrutura familiar tradicional já não estão mais definidos. As mulheres que antes tinham muitos filhos ainda com pouca idade e se contentavam em viver para cuidar dos afazeres da casa e da família, agora buscam mais significados para a existência. São mudanças globais, com visão econômica, política e social. Em busca de novos sentidos e ideais para o papel feminino, as mulheres passaram a cuidar mais da vida profissional e econômica, algumas vezes até masculinizando a forma de sentir. Os filhos passaram a ser planejados para um período mais oportuno e em número menor. Com o passar do tempo o universo feminino mudou. Elas trocaram a casa pelo trabalho e, em muitos casos, assumiram o papel de maior provedor financeiro da família.
"A grande beleza do ser humano é essa transformação pela qual todos estão passando, incluindo os homens. Eles perceberam que para a mulher, não é mais suficiente um homem que apenas supra as necessidades da casa. A mulher quer um homem mais carinhoso, mais afetivo e com tempo para a família. A mudança foi necessária e acabou afetando a relação entre pai e filhos, que passou a ser mais próxima", avalia Daniela Mendes Piloni, psicóloga e uma das poucas especialistas em psicopedagogia para professores da rede pública em Mato Grosso.
Para especialistas, as mudanças femininas foram o ponto inicial da transformação do papel do pai. Ao notar que os filhos ficavam mais sozinhos em casa ou tinham mais aproximação com pessoas fora da família, como os professores e babás, os pais perceberam que suprir o lar, observando de longe os acontecimentos e o crescimento dos filhos não era mais suficiente. As mudanças na rotina da mulher e de toda a estrutura familiar mostraram ao homem que colocar alimento nos armários e geladeiras, comprar roupas e pagar uma boa escola, sem nunca estar presente pessoalmente ao lado do filho, estava tornando os filhos, cada vez mais exigentes, em pessoas solitárias e tristes. O homem passou a desejar conquistar mais espaço com a família e a buscar tempo para estar com os filhos, para acompanhar todos os momentos mais importantes da vida deles.
Daniela explicou que como as transformações ocorrem de forma generalizada, outras instituições que participam da educação dos filhos, como a escola, estão cobrando cada vez mais a presença dos pais (pai e mãe) no desenvolvimento dos filhos.Os filhos de hoje, segundo Daniela, tem um perfil completamente diferente dos de duas ou três décadas atrás. "Eles exigem mais atenção. Antigamente, era regra se contentar com as ordens dos mais velhos e cumpri-las sem questionamento. Isso não ocorre mais dessa maneira. Os filhos começaram a questionar o que devem fazer e cobrar o exemplo e o carinho do pai para guiá-los", comenta a psicóloga.
A violência, as drogas e outros riscos que afloraram na sociedade no decorrer dos anos também contribuíram com a aproximação entre pai e filho. O medo de manter a distância e não abrir espaço para o diálogo tornou a figura do pai - antes uma figura de respeito e referência para criação das gerações seguintes- em um amigo, reforçando um movimento que ensaiava para surgir há décadas: a conversa entre pais e filhos. Segundo a psicóloga, com todos os problemas que a sociedade enfrenta, as famílias que não conversam estão se sentindo acuadas com medo das conseqüências que podem surgir disso. O contexto atual de cada um ter que cuidar de sua vida e daqueles que amam auxiliou a aproximação do homem essencialmente profissional com os filhos, mesmo depois de uma separação dos pais.
Antes, quando alcançavam o sucesso profissional e desejavam mantê-lo, os homens se afastavam dos elementos essenciais de sua personalidade, como dar maior atenção ao relacionamento, encontros afetivos, amizades mais próximas e participação integral na vida do filho. Eles apenas faziam o que aprendiam na infância, e assim tinha sido com todas as gerações masculinas anteriores e que serviram como referência para a construção de sua personalidade. O papel esperado do homem - o ser que não chora - era cumprido sem questionamentos e acabava por gerar problemas psicológicos e físicos, carregados sem reclamações. Todas as mudanças no mundo feminino e nos segmentos econômicos e culturais fizeram o homem perceber que ainda era tempo para melhorar a qualidade de vida e que a presença do filho no seu dia-a-dia fazia sim muita falta.
O professor de educação física Rogério Marques de Almeida, de 33 anos, é um dos homens que buscam conciliar melhor todos os elementos importantes de sua vida. Faz questão de passar a maior parte do tempo possível perto dos filhos, um com um ano e o outro com sete. "Não é fácil. Tem que conciliar o ser profissional, que exige tempo e educação, com o ser companheiro para a esposa, que, por sua vez, exige tempo e dedicação, com o ser pai, que exige muito mais tempo, educação e dedicação", contou Rogério. O professor percebeu no dia-a-dia do trabalho o quanto a participação dos pais é essencial para o bom desenvolvimento dos filhos. Quanto mais amigos eram os pais de seus alunos e participavam de cada evento importante da vida deles, mais eles ficavam tranqüilos.
Mas o professor frisou que o legal da relação entre pai e filho não é tentar levá-lo para o universo do adulto, mas sim abrir um espaço no seu tempo para acompanhar as vontades e atividades dele. "O pai pode ser um padre, um juiz ou professor. Para a sociedade, ele é a pessoa mais maravilhosa que existe, mas para o filho, ele é o herói", ressaltou Rogério. O turbilhão de mudanças que tomou conta da sociedade e a mudança constante de valores também incentivou o pai separado a brigar por uma participação maior na vida dos filhos.
LEGALIDADE
Tramitam atualmente em quatro das seis varas de família existentes em Cuiabá, Mato Grosso, 251 pedidos de guarda de filhos. Desses, 102 têm homens como autores. O juiz da 4ª Vara Especializada de Família e Sucessão, Gilperes Fernandes da Silva, ponderou que o pai tem compreendido que ele não está se separando da família, mas somente da mulher. Quando participam das audiências de separação, os homens demonstram que entendem que a presença do pai é fundamental para a criação dos filhos, e que, por isso, é preciso dar mais atenção a eles. Principalmente porque a separação por si só é um trauma na vida da criança. Gilperes constatou que mesmo em muitos dos casos em que os pais chegam nas audiências sem o desejo de participar da vida dos filhos tem se notado a mudança de comportamento dos homens nesse sentido. "Ele tem entendido o papel dele na vida do filho e buscado vivê-lo mais intensamente", afirma.
"Nesses casos, basta conversarmos um pouco com os pais para eles entenderem que a participação deles na vida dos filhos deve ser constante. Nos casos mais difíceis, encaminhamos para o acompanhamento psicológico. Fazemos isso porque hoje procuramos pensar mais na criança do que no adulto", avalia o juiz. O novo Código Civil, de acordo com Gilperes, não foi um fator predominante para o aumento no pedido de guarda ou nos pedidos de visitas livres. O aumento do número de homens com desejo de acompanhar o desenvolvimento dos filhos é um processo anterior ao novo código e continua crescendo. "Estamos vivendo um momento de transição e ainda veremos muitas mudanças ocorrerem. Hoje, nada é definitivo. As pessoas estão se adaptando às novidades que vão surgindo e logo aparecem outras novidades, e o processo continua", disse a psicóloga Daniela Piloni.
Os meninos Juliano, Carlos Alberto e Cássio foram criados com a participação 100% do pai. Quando a mãe foi embora e os deixou, o pai, Antônio Maciel Costa, decidiu criá-los sozinho e "tomar as rédeas" da situação. Levou os meninos para e empresa da família e acompanhou todas as decisões e questionamentos de perto. Antônio fez da criação dos filhos o maior objetivo em sua vida e passou a viver intensamente cada momento junto com eles. Mesmo passados mais de 15 anos, o pai optou por não se casar novamente para não tirar o espaço dos meninos e ter que dividir atenção dentro de casa. "Quando minha mulher pediu a separação, eu decidi criar os meus filhos. Queria ensiná-los a valorizar as coisas importantes na vida, mostrar a eles que haviam coisas erradas pelo caminho. Achei que essa criação poderia afastá-los dos perigos que há no mundo. Policiei cada passo deles e hoje me orgulho dos filhos que tenho. São bênçãos divinas na minha vida", lembrou Antônio, emocionado.
PAILEGAL PONTO COM
A distância da filha do primeiro casamento, causada pela separação no final da década de 90, levou o analista de sistemas Paulo Habl a buscar informações sobre seus direitos de convivência com ela. Ao se deparar com um assunto que era considerado tabu, percebeu que era preciso mudar um pouco o conceito de paternidade e mostrar para todos que os homens queriam sim participar da vida dos filhos. Dessa decisão surgiu a idéia de criar um mecanismo para que os homens pudessem encontrar informações técnicas e comportamentais sobre paternidade e direitos dos pais após a separação. Em pouco tempo e com o esforço de dez pais, o "Pailegal.net" iniciava as atividades. Desde então, nunca mais parou. Atualmente, existem cerca de cinco mil pessoas cadastradas no site, que recebe cerca de 30 mil visitas mensais.
Paulo acredita que o interesse dos homens confirma a mudança de comportamento dos pais que começou a ser percebida pela sociedade e especialistas. Para ele, esse desejo de participar da vida dos filhos vem evoluindo desde a revolução feminista, mas só agora os homens conseguiram admitir que dividir esforços com a companheira ou ex-mulher é uma necessidade natural e que os homens podem acrescentar positivamente no amadurecimento dos filhos. "A paternidade é muito além do que se imaginava. Estamos testemunhando uma reviravolta do papel masculino. O homem está declarando que pode ser pai e que está gostando desse papel. Ele está percebendo que tem um papel importantíssimo e que em alguns momentos da vida do filho, a presença dele chega a ser até mais importante que o da mãe", frisou Paulo.
Entre as maiores dúvidas de pai encontradas no site, prevalece o desejo de mais informações sobre a guarda compartilhada após a separação. Paulo contou que esse é o questionamento mais freqüente, visto que em muitos casos as mães ganham a guarda dos filhos e acabam por usar a criança para atingir o homem, afastando os dois. De acordo com Paulo, há muito pai que deseja participar da vida dos filhos e não consegue. Isso ocorre por- que algumas mães dificultam a visita dos pais após a separação, ou então se mudam para outros lugares, distante de onde moravam. Paulo falou que há muitos casos de homens que só conseguem ter informações sobre os filhos se ficar monitorando a ex-mulher.
"O homem está percebendo o valor que o filho tem em sua vida e o que representa na vida do filho, e quer agarrar todas as oportunidades de estar por perto. O homem não quer mais ser simplesmente o provedor, aquele que vive somente para sustentar a casa e a família. Ele sabe que tem um papel importante a executar na criação do filho e quer tornar isso possível", ponderou Paulo, que atualmente mora em Londres, tem 47 anos e mais dois filhos do segundo casamento.
Em um poema, o senador Artur da Távola revelou: "Ser pai é atingir o máximo de angústia no máximo de silêncio. O máximo de convivência no máximo de solidão. É, enfim, colher a vitória quando percebe que o filho, a quem ajudou a crescer, dele não necessita para viver. É quem se anula na obra que realizou e sorri, sereno, por tudo haver feito para deixar de ser importante".
MUDANÇA DE ATITUDES
Na opinião do professor de educação física Rogério Marques de Almeida, ser pai é usar a inteligência e as experiências no universo do filho. "Na verdade, não tem fórmula predefinida para ser pai. Isso porque ser pai é permitir que o filho nos ensine a guiá-los ao permitir nossa presença ao lado dele". Segundo ele, não há dúvidas de que o pai é uma pessoa diferente para cada filho, porque cada um tem suas particularidades, e é preciso entendê-las para viver intensamente com eles. "Ser pai é ter tempo de ser amigo do meu filho. E com esse tempo, poder passar para ele os valores que acredito ser importante na vida de um ser humano. Acho que a essência é buscar tempo para ser amigo dele, no sentido literal da palavra, para fazer as coisas do jeito que ele gosta e não induzi-lo a fazer as coisas que o pai gosta. Ser pai é conversar com o filho, é fazer questão de acompanhar todos os passos deles, incluindo cada vitória pessoal, mesmo quando criança. É entender no olhar deles quando estão pedindo nosso carinho e quando desejam mais um pouco de atenção".
Para o empresário Antônio Maciel Costa, pai de Juliano, Carlos Alberto e Cássio, ser pai é valorizar a vida. Valorizar dando para eles tudo que merecem. "É enxergar que os filhos são uma bênção de Deus e mostrar isso para eles através de uma religião. É mostrar para eles o caminho de Deus. Ser pai é mostrar que tudo e todos devem ser respeitados. É não abandoná-los em qualquer momento. É tê-los ao nosso lado para indicar qual o melhor caminho e esperar que eles sigam pelo lugar indicado". Antônio acredita que policiar as decisões que os filhos tomam, usando as experiências próprias como exemplo, é uma decisão sábia. "É ensinar que o amor é essencial à vida e que, para vencer, devemos saber o que é mais importante para nossas vidas. É ensiná-los que devemos valorizar a família e que a vida não é tão fácil quanto parece", finalizou Antônio.
fonte:
http://www.rdmonline.com.br/index.php?doc=exibe&id=713&edicao=115