MEDIAÇÃO – RESPEITO À FAMÍLIA E À CULTURA BRASILEIRA
O conflito é inerente à vida e a Mediação é um importante instrumento para a sua compreensão. A Mediação estabelece as pontes entre o sistema familiar, o sistema jurídico e o meio social. Em senso lato é uma prática social além de ser uma ferramenta eficaz para o gerenciamento das disputas familiares.
Além do mais, o Direito de Família e o Sistema Judiciário têm um valor simbólico e significante para as famílias e para a própria sociedade.
O sistema familiar é composto de vários níveis: o nível psíquico – das emoções e desejos; o nível psico-social – das funções e papéis; o nível econômico e o nível sócio-jurídico – da divisão de direitos e deveres. Quando uma família se envolve em uma demanda judicial há, em geral, uma tradução incorreta dos três primeiros níveis mencionados acima – o psicológico, o psico-social e o econômico para o nível sócio-jurídico. Resta assim pouco espaço para a consideração do emocional – a base do contrato familiar original - e para uma divisão personalizada das funções parentais. É como se as necessidades e desejos da família tivessem que ser enquadrados pela moldura legal.
Citando a australiana, Stephanie Charlesworth: “É evidente que é hora de aliviar o Direito de Família de algumas das expectativas nele depositadas.”
Atualmente se tem um melhor entendimento da estrutura familiar, trazido pelos antropólogos, sociólogos e psicanalistas. A parceria Direito e Psicanálise é impositiva. Se antes tínhamos os “sujeitos do direito”, depois de Freud temos os “sujeitos do desejo” após o que o sujeito nunca mais foi o mesmo.
Além do mais, de acordo com a psicanalista francesa, Elizabeth Roudinesco, estamos nos tornando uma sociedade depressiva, com profundos problemas de identidade; pagamos um alto preço por tentar evitar a ansiedade e o conflito, que acaba desta forma se tornando crônico.
Portanto, é fundamental compreender a importância do conflito, seus níveis e suas possibilidades transformadoras e ajudar a encontrar uma forma de lidar com ele, prevenindo que se torne crônico e patológico. Quando tal acontece, podemos encontrar:
- enfermidade no nível psicológico das emoções e desejos;
- problemas sociais no nível da distribuição de funções e papéis, chegando até a atos explicitamente anti-sociais de violência;
- empobrecimento no nível econômico
- litígios intermináveis no nível sócio-jurídico da distribuição de direitos e deveres.
Em nossa sociedade o conflito em si é, por vezes, visto como uma doença. Mas somente quando este se cristaliza é que pode ser considerado patológico, devendo ser entendido como um sintoma. Suas causas precisam ser investigadas. O mediador deveria atuar como um clínico, inspirado em Hippócrates – escutar o sujeito, o paciente, no caso a família, e não o sintoma, lidar com a causa e não com o efeito.
Na visão da Psicanálise, o conflito é inerente ao ser humano. Seu desenvolvimento se dá continuamente pelo conflito e por sua transformação. A vida é dialética. A confrontação em família – tanto de gerações quanto entre pares (casal, irmãos) – é necessária para a organização da identidade dos indivíduos. E ela deve continuar a ser exercida, de outras formas, ao longo da vida.
No que tange à filosofia da Mediação há, simplificando, duas possibilidades: uma que a utiliza como um método específico para se chegar ao acordo, vendo o conflito, em geral, como nocivo. Neste sentido a Mediação pode ser um instrumento reacionário. A outra possibilidade amplia a visão, conferindo um valor positivo ao conflito, como um instrumento de mudança. Neste caso, o acordo é somente uma conseqüência possível.
Utilizar a Mediação não como um método de investigação, mas basicamente como um meio de se chegar a acordos, é confundir sua lógica com a da conciliação. A Mediação pode perder assim seu valor como forma de ampliar a consciência do conflito, dos direitos e deveres, e de permitir a confrontação e organização de uma nova identidade familiar - e de cada membro em separado.
Desvendar a dimensão simbólica e significante dos processos judiciais e das sentenças, dando-lhes um amplo sentido, ajuda a família a se reorganizar. Da mesma forma, os Operadores do Direito podem exercer mais livremente suas funções e ser melhor reconhecidos na nobreza de suas profissões.
Quando uma família não é capaz de lidar com uma crise se faz necessária a ajuda de um terceiro – o mediador – para identificar os níveis do conflito e o profissional específico para lidar com este. Em um futuro próximo, possivelmente o mediador terá a função de um clínico geral, daí a importância da sua formação.
A Mediação começa só agora a ser conhecida no Brasil, apesar do trabalho pioneiro de alguns grupos. É por vezes confundida com a arbitragem e a conciliação. Foi introduzida em certos lugares conjuntamente com a arbitragem, como uma RAD – resolução alternativa de disputas, como uma forma de justiça privada. Nesta parceria a Mediação é definida essencialmente pelo seu aspecto utilitário – um meio de solução de conflitos, de obtenção de acordos –para desafogar o Judiciário e até mesmo substituí-lo, em certa medida.
Proposta tentadora e arriscada que não contempla nossa realidade e necessidades. É fundamental a utilização da Mediação como uma ajuda para o Judiciário, fortalecendo esta Instituição ao invés de diminuir seu poder. Desnecessário dizer que o pior poder é vir a não ter poder.
Os brasileiros têm seus relacionamentos fundamentalmente governados pelas emoções; além dos aspectos positivos, há também uma certa dificuldade em lidar com os conflitos de forma explícita. Uma vez que os brasileiros não têm tradição em conflitos abertos, a proposta de sua precoce resolução pode funcionar mais como um instrumento reacionário ao invés de ajudar a esclarecê-los e de aumentar a consciência social. A Mediação como um meio de obtenção de acordos somente pode vir após se ter tomado consciência dos conflitos, dos direitos e deveres. O acordo é assim conseqüência e não finalidade.
Uma característica autoritária e paternalista também se faz presente em nossa sociedade e como conseqüência, os brasileiros têm um certo grau de desconfiança nas leis universais mas, por outro lado têm uma grande esperança de ver as leis finalmente cumpridas. Há uma crescente demanda pelo Judiciário e seu fortalecimento se impõe.
A Mediação pode também trazer mudanças quanto à uma certa ética da desconfiança presente na sociedade, em que se tende a atribuir a culpa ao outro, na medida em que introduz uma mentalidade diferente, um pensamento diverso da categorização em opostos como culpado x inocente, vítima x algoz. Ela enfatiza a responsabilidade pessoal e o exercício da cidadania. Em um país como o Brasil, em que há ainda um grande desnível sócio-econômico, o papel de vítima é tentador, mas oferece pouca perspectiva de real mudança.
Não temos, ainda, no Brasil, uma lei para a Mediação, há alguns projetos, um dos quais defendemos . Este contempla a Mediação como passível de ser utilizada nos processos judiciais, como um procedimento opcional e como uma prática social aplicável a diversos contextos. A formação do mediador é também enfatizada.
Desnecessário dizer que enquanto prática social, uma vez que ela fomenta o exercício da cidadania, a Mediação pode contribuir para o desenvolvimento da consciência nacional, tão necessária em um mundo globalizado. Da mesma forma, na medida em que considera as especificidades e que fortalece o Judiciário quando utilizada em parceria, ajuda a valorizar o sistema jurídico e a cultura da qual ele emana.
Finalmente, a Mediação é uma tradução metodológica daquilo que chamamos de O DIREITO A TER UMA FAMÍLIA.
Além do mais, o Direito de Família e o Sistema Judiciário têm um valor simbólico e significante para as famílias e para a própria sociedade.
O sistema familiar é composto de vários níveis: o nível psíquico – das emoções e desejos; o nível psico-social – das funções e papéis; o nível econômico e o nível sócio-jurídico – da divisão de direitos e deveres. Quando uma família se envolve em uma demanda judicial há, em geral, uma tradução incorreta dos três primeiros níveis mencionados acima – o psicológico, o psico-social e o econômico para o nível sócio-jurídico. Resta assim pouco espaço para a consideração do emocional – a base do contrato familiar original - e para uma divisão personalizada das funções parentais. É como se as necessidades e desejos da família tivessem que ser enquadrados pela moldura legal.
Citando a australiana, Stephanie Charlesworth: “É evidente que é hora de aliviar o Direito de Família de algumas das expectativas nele depositadas.”
Atualmente se tem um melhor entendimento da estrutura familiar, trazido pelos antropólogos, sociólogos e psicanalistas. A parceria Direito e Psicanálise é impositiva. Se antes tínhamos os “sujeitos do direito”, depois de Freud temos os “sujeitos do desejo” após o que o sujeito nunca mais foi o mesmo.
Além do mais, de acordo com a psicanalista francesa, Elizabeth Roudinesco, estamos nos tornando uma sociedade depressiva, com profundos problemas de identidade; pagamos um alto preço por tentar evitar a ansiedade e o conflito, que acaba desta forma se tornando crônico.
Portanto, é fundamental compreender a importância do conflito, seus níveis e suas possibilidades transformadoras e ajudar a encontrar uma forma de lidar com ele, prevenindo que se torne crônico e patológico. Quando tal acontece, podemos encontrar:
- enfermidade no nível psicológico das emoções e desejos;
- problemas sociais no nível da distribuição de funções e papéis, chegando até a atos explicitamente anti-sociais de violência;
- empobrecimento no nível econômico
- litígios intermináveis no nível sócio-jurídico da distribuição de direitos e deveres.
Em nossa sociedade o conflito em si é, por vezes, visto como uma doença. Mas somente quando este se cristaliza é que pode ser considerado patológico, devendo ser entendido como um sintoma. Suas causas precisam ser investigadas. O mediador deveria atuar como um clínico, inspirado em Hippócrates – escutar o sujeito, o paciente, no caso a família, e não o sintoma, lidar com a causa e não com o efeito.
Na visão da Psicanálise, o conflito é inerente ao ser humano. Seu desenvolvimento se dá continuamente pelo conflito e por sua transformação. A vida é dialética. A confrontação em família – tanto de gerações quanto entre pares (casal, irmãos) – é necessária para a organização da identidade dos indivíduos. E ela deve continuar a ser exercida, de outras formas, ao longo da vida.
No que tange à filosofia da Mediação há, simplificando, duas possibilidades: uma que a utiliza como um método específico para se chegar ao acordo, vendo o conflito, em geral, como nocivo. Neste sentido a Mediação pode ser um instrumento reacionário. A outra possibilidade amplia a visão, conferindo um valor positivo ao conflito, como um instrumento de mudança. Neste caso, o acordo é somente uma conseqüência possível.
Utilizar a Mediação não como um método de investigação, mas basicamente como um meio de se chegar a acordos, é confundir sua lógica com a da conciliação. A Mediação pode perder assim seu valor como forma de ampliar a consciência do conflito, dos direitos e deveres, e de permitir a confrontação e organização de uma nova identidade familiar - e de cada membro em separado.
Desvendar a dimensão simbólica e significante dos processos judiciais e das sentenças, dando-lhes um amplo sentido, ajuda a família a se reorganizar. Da mesma forma, os Operadores do Direito podem exercer mais livremente suas funções e ser melhor reconhecidos na nobreza de suas profissões.
Quando uma família não é capaz de lidar com uma crise se faz necessária a ajuda de um terceiro – o mediador – para identificar os níveis do conflito e o profissional específico para lidar com este. Em um futuro próximo, possivelmente o mediador terá a função de um clínico geral, daí a importância da sua formação.
A Mediação começa só agora a ser conhecida no Brasil, apesar do trabalho pioneiro de alguns grupos. É por vezes confundida com a arbitragem e a conciliação. Foi introduzida em certos lugares conjuntamente com a arbitragem, como uma RAD – resolução alternativa de disputas, como uma forma de justiça privada. Nesta parceria a Mediação é definida essencialmente pelo seu aspecto utilitário – um meio de solução de conflitos, de obtenção de acordos –para desafogar o Judiciário e até mesmo substituí-lo, em certa medida.
Proposta tentadora e arriscada que não contempla nossa realidade e necessidades. É fundamental a utilização da Mediação como uma ajuda para o Judiciário, fortalecendo esta Instituição ao invés de diminuir seu poder. Desnecessário dizer que o pior poder é vir a não ter poder.
Os brasileiros têm seus relacionamentos fundamentalmente governados pelas emoções; além dos aspectos positivos, há também uma certa dificuldade em lidar com os conflitos de forma explícita. Uma vez que os brasileiros não têm tradição em conflitos abertos, a proposta de sua precoce resolução pode funcionar mais como um instrumento reacionário ao invés de ajudar a esclarecê-los e de aumentar a consciência social. A Mediação como um meio de obtenção de acordos somente pode vir após se ter tomado consciência dos conflitos, dos direitos e deveres. O acordo é assim conseqüência e não finalidade.
Uma característica autoritária e paternalista também se faz presente em nossa sociedade e como conseqüência, os brasileiros têm um certo grau de desconfiança nas leis universais mas, por outro lado têm uma grande esperança de ver as leis finalmente cumpridas. Há uma crescente demanda pelo Judiciário e seu fortalecimento se impõe.
A Mediação pode também trazer mudanças quanto à uma certa ética da desconfiança presente na sociedade, em que se tende a atribuir a culpa ao outro, na medida em que introduz uma mentalidade diferente, um pensamento diverso da categorização em opostos como culpado x inocente, vítima x algoz. Ela enfatiza a responsabilidade pessoal e o exercício da cidadania. Em um país como o Brasil, em que há ainda um grande desnível sócio-econômico, o papel de vítima é tentador, mas oferece pouca perspectiva de real mudança.
Não temos, ainda, no Brasil, uma lei para a Mediação, há alguns projetos, um dos quais defendemos . Este contempla a Mediação como passível de ser utilizada nos processos judiciais, como um procedimento opcional e como uma prática social aplicável a diversos contextos. A formação do mediador é também enfatizada.
Desnecessário dizer que enquanto prática social, uma vez que ela fomenta o exercício da cidadania, a Mediação pode contribuir para o desenvolvimento da consciência nacional, tão necessária em um mundo globalizado. Da mesma forma, na medida em que considera as especificidades e que fortalece o Judiciário quando utilizada em parceria, ajuda a valorizar o sistema jurídico e a cultura da qual ele emana.
Finalmente, a Mediação é uma tradução metodológica daquilo que chamamos de O DIREITO A TER UMA FAMÍLIA.