Ser Pai

RAZÕES PARA A SEPARAÇÃO

“É na separação que realmente se conhece alguém”
(Anônimo, certamente separado, assaltado e humilhado)


Você se lembra daqueles dias que vocês passeavam num parque abraçados, comendo sorvete, sentados na grama, lambendo os lábios um do outro depois daquela lambança? Imagine agora que caiu o maior temporal. Vocês ficam molhados, e começam a culpar um ao outro por não ter trazido guarda-chuva, por não ter sequer pensado na possibilidade de chuva.

Isso se chama Casamento.

Vocês devem decidir se o passeio no parque, o sorvete, a grama, os lábios se lambendo, ainda são importantes para vocês. Se vocês ainda crêem na força dos elementos acima citados, vocês devem fazer tudo para encontrar um abrigo da chuva, e um deve proteger o corpo do outro da chuva com suas próprias roupas. Vocês vão ver que a chuva passa logo, e que em breve vocês já estarão fazendo de novo aquela meleca com o sorvete de chocolate ou de morango (calma, sem brigas).

Isso se chama Amor.

Há tanta coisa no Amor, tantos fatores que nos fazem crer que tal pessoa é a nossa eleita ou não, não é verdade? È também, uma questão de “timing”. Quantas vezes você não conheceu alguém inacreditavelmente maravilhosa, uma deusa de qualidades, para um tempo depois perceber que você não se apaixonou por ela? E você até que tentou. E incrivelmente, essa mulher, cheia de predicados, está apaixonada por você. E você se sente o pior dos piores. Eu, pelo menos, já me senti assim. Se você não se sentiu assim, você é mais pulha que eu imaginava.

“Amor é nunca ter que pedir perdão” (segundo o filme “Love Story”). Há!
Num dia você tem certeza de que ama profundamente sua esposa, e no outro, esse sentimento meio que evapora, junto com sua vontade de ver televisão ao lado dela. Há também o caso em que ela quer ficar sozinha, ler seu livro (se for uma mulher inteligente), experimentar os sapatos novos (se for consumista), entrar numa sala de chat na internet (se estiver carente, assumamos) ou mesmo comprar cigarros e nunca mais voltar.

Veja bem, essa sensação é normal, não se desespere. Se há momentos em que você próprio não se agüenta, imagine um casal, junto há alguns anos, sem contar os anos de namoro, docinhos e intimidades para sanar os docinhos? Não há momento em que você não pensa em suicidar-se por achar que é o pior, o mais medíocre dos homens? Porém, logo depois, você se lembra que você até que tem boas qualidades, que sua vida te proporciona alguns bons prazeres. A vida vale a pena. Poxa, da mesma forma vale o amor. Antes de sair ao parque, lembre sempre de levar um ou dois guarda-chuvas (sob um guarda-chuva é mais romântico, não?), para que vocês não se molhem, e também, uma toalha, para secá-los. Vocês serão felizes, sei disso.

Corta. A ação agora é outra. A vida de vocês está insuportável. Vocês mal se falam, e ao que parece, a melhor parte de seu dia é quando você chega no trabalho, ou pior, quando você vai ao dentista. Não vou descrever a situação, todos nós sabemos como é isso, mesmo que nunca tenhamos a vivido. Já vimos isso no cinema e na televisão. Alguns de nós já tivemos a infelicidade de presenciar tais cenas envolvendo amigos queridos, que transformados e transtornados, apelam para todo tipo de violência verbal, e às vezes, física. A violência verbal assume várias variantes, desde o sarcasmo ao xingamento da quinta geração do cônjuge, passando pelo inevitável “você está me gozando, né? .... isso é sacanagem”. Já vi casais amorosos à noite, do tipo de acordar o galo à noite, com gritos de êxtase, e no entanto, no dia seguinte, logo depois do café da manhã , se dizerem “cala a boca!”. Seres humanos são estranhos.

Acredito na teoria do beijo. É uma das teorias mais superficiais, infantis que conheço. Entretanto, é das mais profundas e verdadeiras formas de avaliarmos se gostamos ainda de alguém. Faça o teste, é mais do que simples:
Você ainda gosta de beijar a sua eleita? Não perguntei se você ainda gosta de fazer amor com ela. Pergunto se você ainda gosta de beijar a sua boca, em especial nos seus momentos mais íntimos. Fazer amor é algo muito íntimo, concordo, mas a verdade é que nada é mais íntimo do que sentir o gosto da boca de alguém. No ato sexual, você pode mentir sempre se foi bom ou não. Toda mulher já mentiu depois do ato sexual, dizendo que foi maravilhoso, que chegou ao gozo algumas vezes até. E nós acreditamos. E muitas vezes, é difícil sabermos se é verdade ou não. A gente segue em frente. Mas a gente sente facilmente quando não há mais amor. Ela para de nos beijar. Vira o rosto. O mesmo se aplica a nós homens. Podemos até realizar proezas dignas do Kama Sutra, mas se não há amor, ou uma química mínima, o beijo não sai. Além disso, a vontade de sumir depois do primeiro ato é enorme.....

Se vocês sentem que o amor ainda floresce entre vocês, assumam-no, procurem preservar o que há de melhor em vocês. Façam coisas juntas, façam coisas em separado, sozinhos, ou com amigos. O importante é fugir da companheira inevitável de qualquer relação: a rotina. Rotina é algo bom, pois ninguém consegue viver sem uma, a não ser que você seja um tuaregue. Na realidade, acho que mesmo um tuaregue tem rotinas muito bem estabelecidas. Sobe no camelo, anda de camelo, corre sobre o camelo atrás de algum bichinho, mata o bichinho, desce do camelo, prepara o bichinho, come o bichinho, sobe no camelo.... Viu? Se eles têm rotinas, não imagine que o seu casamento não vá ter. Rotina é algo natural, ela nos demonstra e lembra as coisas importantes do dia, saiba disso. Se não fosse uma ação rotineira, você não estaria de meias, agora. Ou seus dentes seriam bem menos brancos que são.

Porém, você não deve deixar Sra.Rotina dominá-los. De forma alguma. Não se esqueça de abrir uma porta para ela, ou de dizer “como qualquer outro vestido, esse está lindo em você” (não se arrisque em esquecer de mencionar “qualquer outro vestido” , pois ela sempre vai responder “você não gostou de mim no outro?” Mulheres....). É importante também sempre lhe dar um beijo na hora certa. E capriche no beijo, ninguém gosta de um beijo selado. Todos esses mimos, carinhos sairão cada vez de forma mais natural se forem feitos por um ser que ama. E outro ser que ama, e sente-se amada, no caso, a sua amada, vai retribuir de forma cada vez mais carinhosa, amorosa. E assim, a roda do amor volta a andar, graças ao óleo que você colocou.

Vamos dizer, em contrapartida, que não há mais amor. Nada. Aí...., bem, aí começam seus problemas.... Será que você deseja continuar vivendo uma vida que você crê ser medíocre? Ou talvez isso não te incomode, como é o caso de tantas pessoas? Talvez aquela sua visita mensal a moçoilas profissionais seja suficiente para você. Ou talvez você consiga esconder o fato de ter uma amante por mais tempo.
A verdade é que nós homens, apesar do que as mulheres querem imaginar, gostamos da instituição casamento. Sim, gostamos (também somos mais covardes e hesitantes do que elas quanto a terminar um casamento, é verdade). Alguma dúvida? Nós tanto prezamos que nos casamos com elas, mulheres.

E, nunca se esqueçam, mulheres, nós homens, sofremos muito com a idéia de estarmos desfazendo um contrato (casamento também é isso, não?) que consideramos sagrado, quase. Sempre pensamos que é possível tentar mais uma vez, que talvez ainda amemos a nossa, certa vez, eleita. Qual seria a razão, então, de que quando um homem faz alguma besteira, sem que a mulher saiba (não me digam que elas não façam das suas), ele venha com algum agrado ou carinho? Ora, é preciso ser muito insensível para não perceber a razão: nós amamos o casamento! E que as mulheres não me venham com teorias freudianas, que nós precisamos das mulheres como nossas segundas mães, etc e tal. Não. A razão, pura e simples, é que não queremos romper este laço, repito, quase sagrado para nós. Afinal, somos seres sensíveis e coerentes, qualidades geralmente a nós negadas, e as quais muitas vezes inexistentes no sexo frágil.

Se você tiver filhos, o problema fica ainda maior, você vai concordar comigo. Afinal, você ama seus filhos, e quer o melhor para eles, incluindo um ninho aconchegante, semelhante ao que você sempre imaginou que daria a eles. Não é possível que você os privará disso. E some ainda a isso, que quase certamente, você e seus filhos serão privados da convivência diária, um com o outro. Certamente, isso não foi o que você desejou nem a você e muito menos à sua prole. Com filhos maiores, a tristeza é menor, certamente, pois sendo mais independentes, eles terão a capacidade de entender melhor a situação, e talvez um possível trauma possa ser evitado, ou amenizado. E obviamente, a facilidade de vê-lo é maior.

Um momento, estamos esquecendo da questão financeira. Todo esse patrimônio que vocês (vou ser condescendente com ela) juntaram nestes anos serão obrigatoriamente divididos, a não ser que vocês tenham feito algum acordo pré-marital, protegendo seus interesses. Como sei que você não pertence às famílias Onassis, Gates ou Rockfeller, e provavelmente roubou este livro, pois está sempre duro, certamente a qualidade de sua vida vai cair. Em seu patrimônio incluem-se: a casa onde vocês moraram por felizes – ou não – anos, o carro, com o qual passearam com as crianças, algumas ações vagabundas, porque você não leva mesmo jeito para a coisa, os móveis, os eletrodomésticos, e mais... O que fazer com a coleção dos discos dos Beatles, que ambos são fãs? Dividir? Como? “Abbey Road” fica para você, “Sargeant Peppers” fica para ela, meio “Álbum Branco” para você, meio para ela. Tirar no palitinho? Quebrar todos os discos? E os outros cds? E os livros, cada um deles lembrando um período de namoro, quando você insistia que ela começasse a ler um pouco de História, e ela te ensinou a gostar de poesia? E os livros de culinária que vocês compraram durante esses anos? Veja o paradoxo: Adelaide cozinha muito melhor do que você, afinal foram comprados para auxiliá-la a agradá-lo à mesa . E no entanto, logo você que tanto os necessita agora, ficará sem eles, pois ela dirá que ela os usa muito mais do que você. Você vai passar fome. E os próximos namorados dela vão lamber os beiços. Pelo menos na mesa.

Portanto, pese bem os prós e os contras de uma separação.
Vou ajudá-lo.

Prós :
1- Você será um homem livre.
2- Você vai voltar a se apaixonar, agora por outra(s) mulher(es).
3- Você vai aprender a cozinhar (ou vai comer muito bem em restaurantes).
4- Não vai mais ser acordado de manhã pelas crianças.
5- Não vai mais ver a cara emburrada de Adelaide dentro de sua casa.
6- Você vai reaprender a controlar as suas finanças, por si só.

Contra:
1- Você vai se sentir fragilizado, em especial logo após a separação.
2- Você vai volta a tomar fora de mulheres; vai relembrar o que é dor-de-cotovelo.
3- Vai comer comida queimada feita por você (ou vai se descapitalizar comendo em restaurantes).
4- Não vai mais ser acordado pelas crianças.
5- Vai sentir saudade de Adelaide, às vezes.
6- Seu poder aquisitivo cairá.

Você percebeu? Não dá para avaliar desta forma. Acredite em mim: esta será a decisão mais difícil de sua vida. Mais ainda do que quando decidiu casar com ela. Ou quando escolheu torcer pelo Fluminense. Não há possibilidade de comparar maças com pêras ou melancias, já disseram isso antes de mim. Se você sente-se inexoravelmente frustrado em sua relação e não há mais possibilidade de reanimar a chamada chama do amor (ou mesmo a lâmpada de um pequeno gostar, se você se satisfizer com isso), então, vá em frente, amigo, crie coragem, caia na vida.

A cada segundo, somos chamados a escolher: levantar da cama ou não, quando o despertador toca; ligar o aquecedor na água morna, ou deixá-la pelando; meias brancas ou azuis, ou talvez de florzinhas; suco de laranja ou chá; trabalhar ou dizer que está doente, e por ai vai. A cada escolha, novas escolhas são abertas e principalmente, resultados são abertos, e nós temos que assumi-los. Se você escolhe colocar aquela meia estranha de florzinhas, imagine o que vão dizer de você no trabalho, por exemplo. Você terá que assumir sua escolha. E se você disser que não vai trabalhar por uma falsa doença, você terá que arrumar um atestado, envolver outros em sua mentira vergonhosa, e no final, você realmente ficará doente. Portanto, esqueça isso, isso eu já decidi: vá trabalhar, vagabundo.

Portanto, ao decidir-se pela separação de sua até-então eleita, você tem que saber que haverá um número muito grande de conseqüências. E você nem imagina quantas. Propositadamente, eu não comento a possibilidade de haver uma outra mulher envolvida em sua vida. Se há (e elas começam a existir, mesmo que em sonhos) e ela é importante para você, então você deveria pensar em resolver este problema. Quando “a outra” entra em cena, é sinal mais do que claro de que em seu casamento está entrando água. E se você ainda pode colocar um tampão no chão do navio, tente. Se não conseguir, continue lendo este livro. Talvez você ainda mude de idéia. Ou não.

Nota 1: Uma nova variante de separação surgiu nos últimos tempos, fruto da situação econômica à qual cismam em nos tapar os olhos para que não a vejamos, e fruto também da covardia do casal em assumir uma situação. Na realidade, é uma situação pela qual todos os casais em processo de separação passam: separar-se mantendo o teto comum. Eu digo que todos os casais passam por isso, mesmo que isso dure um mês, que seria aquele período ainda de última tentativa para o casamento. Há casais, por outro lado, que pelas razões expostas acima, decidem manter-se sob o mesmo teto, mas com vidas totalmente à parte.

Sem dúvida não é fácil, pois isso exige um total descolamento da vida do ex-cônjuge, além de uma certa técnica para cobrar quando as contas não estão sendo pagas em dia. Havendo crianças no cenário, a situação fica mais complicada, pois essas serão testemunhas de um certo jogo de hipocrisia. Concordo que terão os pais juntos, até amigos, mas ao mesmo tempo, perceberão claramente o jogo prático que se desenrola à sua frente. Crianças não gostam de meio termo, o melhor é definir a situação, sem falsidades. Como creio que uma separação deste tipo é ainda uma exceção, e mais ainda, um paliativo, ela não será mais discutida por aqui. Mas dei meu recado.

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