AS FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE - OS TRÊS TEMPOS DO ÉDIPO
Trabalharemos hoje os capítulos X e XI do Seminário V. Vimos, da última vez, que há uma relação de ordem metafórica entre o falo, no vértice do ternário imaginário, e o pai, no vértice do ternário simbólico. A posição do significante paterno no símbolo é fundadora da posição do falo no plano imaginário.
O desejo da mãe comporta um para-além e para atingi-lo é necessária uma mediação, dada pela posição do pai na ordem simbólica.
Existem estados diferentes, casos e etapas em que o filho se identifica com o falo. No fetichismo, a criança tem uma certa relação com o objeto do além do desejo materno, em cujo valor ela reparou, e ao qual se liga por identificação imaginária com a mãe. No travestismo ela se identifica com o falo escondido sob as roupas da mãe.
O pai, como aquele que priva a mãe do objeto de seu desejo, o falo, desempenha um papel essencial no desenrolar do complexo de Édipo. No nível da privação, o pai priva alguém daquilo que só tem existência como símbolo.
Essa privação, o sujeito infantil a aceita ou não, aceita ou recusa. Lacan o chama de ponto nodal, que não coincide com o declínio do Édipo. É um momento anterior, no qual o pai entra em função como privador da mãe, perfilando-se por trás da relação da mãe com o objeto de seu desejo, como aquele que castra a mãe. Na medida em que a criança não ultrapassa este ponto nodal, não aceita a privação do falo efetuada na mãe pelo pai, ela mantém em pauta uma identificação com o objeto da mãe, objeto rival, quer se trate de fobia, neurose ou perversão. Lacan não fala aqui de psicose, mas de neurose e perversão, sendo a fobia a "placa giratória", como proposto no seminário IV.
Nesse nível, a questão que se coloca é ser ou não ser o falo. O sujeito está na situação de escolher, mas a frase foi começada antes dele por seus pais. Entre este ser ou não ser o falo e o ter ou não ter do declínio do Édipo, está o complexo de castração. É dele que dependem dois fatos: que o menino se transforme em homem e a menina em mulher. Para ter ou não ter é preciso que haja um momento em que não se tem. Ou seja, a possibilidade de ser castrado é essencial na assunção de ter o falo. Este é um passo no qual tem que intervir eficazmente o pai.
O pai é então constituído como símbolo, condicão para que alguém possa intervir realmente como revestido deste símbolo. É como personagem real, revestido desse símbolo, que ele passa a intervir na etapa seguinte. Estas etapas ou tempos não são forçosamente cronológicos, como observa Lacan, mas ocorrem numa determinada sucessão.
O essencial é que a mãe funde o pai como mediador daquilo que está para além da lei dela e de seu capricho, ou seja, da lei como tal. Trata-se do pai como NP, estreitamente ligado à enunciação da lei. É nisso que ele é ou não aceito pela criança como aquele que priva ou não a mãe do objeto de seu desejo.
Para compreender o complexo de Édipo devemos então considerar três tempos:
1o tempo: o que a criança busca, como desejo de desejo, é poder satisfazer o desejo da mãe, to be or not to be o objeto de desejo da mãe. (Ver Sem. V p. 198)
Ela introduz sua demanda em , e o fruto aparecerá em '. Nesse caminho, colocam-se 2 pontos, o ego, e em frente a ele, seu outro, aquilo com que a criança se identifica, que ela vai procurar ser, ou seja, o objeto satisfatório para a mãe. Quando começa a se excitar, ela vai mostrá-lo à mãe.
No primeiro tempo o sujeito se identifica especularmente com aquilo que é objeto do desejo de sua mãe. É a etapa fálica primitiva. Conforme a maneira mais ou menos satisfatória de a mensagem se realizar em M, podemos ter um certo número de perturbações, entre as quais as identificações perversas.
2o tempo: no plano imaginário, o pai intervém como privador da mãe. Aquilo que desvincula o sujeito de sua identificação, liga-o, ao mesmo tempo, ao primeiro aparecimento da lei. O caráter decisivo do Édipo deve ser isolado como relação, não com o pai, mas com a palavra do pai. O pai onipotente é aquele que priva a mãe, no segundo tempo.
3o tempo: o pai pode dar a mãe o que ela deseja, porque o possui. Aqui intervém a potência no sentido genital da palavra. A identificação que pode ser feita com a instância paterna realiza-se portanto nesses três tempos.
1o : a instância paterna se introduz de uma forma velada.
2o : o pai se afirma em sua presença privadora de um modo mediado pela mãe, que é quem o instaura como aquele que lhe faz a lei.
3o : o pai se revela como aquele que tem. É a saída do Édipo, onde se faz a identificação com o pai, no ideal do eu, que se inscreve no triângulo simbólico no polo em que está o filho. No polo materno começa a constituir-se o que será realidade, e no nível do pai o que será o supereu. (Ver Sem. V p. 201)
No terceiro tempo portanto, o pai intervém como real e potente. Esse tempo sucede à privação ou castração que incide sobre a mãe. É por intervir como aquele que tem o falo que o pai é internalizado no sujeito como Ideal do eu, e a partir daí o complexo de Édipo declina. A criança detém consigo todas as condições das quais pode se servir no futuro. A metáfora paterna leva à instituição de alguma coisa que é da ordem do significante, que fica guardada de reserva e cuja significação se desenvolverá mais tarde.
Na mulher, a terceira etapa é diferente. Ela não tem que fazer esta identificação viril. A mulher sabe onde ele está, onde deve ir buscá-lo, do lado do pai, e vai em direção àquele que tem. Lacan considera, nesse sentido, que na feminilidade verdadeira há algo meio extraviado. Com entender isso? Seria por isso que ele toma Medéia como o exemplo da verdadeira mulher, aquela que sacrifica tudo por causa do seu homem? Ela deve então ser distinguida da mãe, ao contrário do que propunha Freud, ao identificar a feminilidade com a maternidade nas saídas do complexo de Édipo.
Jacques-Alain Miller observa que os comentadores de Lacan adoraram o pai lacaniano, aquele que castra a mãe. No entanto, não se enfatizava que a castração da qual se trata, no segundo tempo do Édipo, é a privação na mãe, mais do que na criança. Já no terceiro tempo, temos o contrário do pai que priva, temos o pai que tem e que dá. É o tempo em que as relações do pai com a mãe voltam a passar para o plano do real. Para Miller, o pai que interessa a Lacan é o terceiro, o pai que tem, que dá e que promete para o futuro. É este tempo que é fecundo, enquanto o segundo tempo tem menos potencialidades que o primeiro, tempo rico porque permite o desenvolvimento da criança1 .
Lacan conclui aqui que o pai é, no Outro, o significante que representa a existência do lugar da cadeia significante como lei. Ele se coloca acima desta. É um significante paradoxal que está dentro e fora da cadeia ao mesmo tempo, é o motorzinho da cadeia significante, como se expressou Viganó.
S S S S S S s s s s s s s s s
O pai está numa posição metafórica, na medida e unicamente na medida em que a mãe faz dele aquele que sanciona, por sua presença, a existência como tal do lugar da lei.
No terceiro tempo do Édipo, etapa da identificação, trata-se para o menino de se identificar com o pai como possuidor do pênis e para a menina de reconhecer o homem como aquele que o possui.
No capítulo XI, Lacan afirma que um sujeito não se introduz no Complexo de Édipo sem que o órgão sexual masculino desempenhe um papel de primeiro plano. Ele vai introduzir então a homossexualidade como uma perversão intimamente ligada à conclusão do complexo de Édipo, ao contrário da idéia de que poderia haver aí uma fixação no primeiro tempo do Édipo.
Lacan retoma então os três tempos:
No primeiro tempo, temos a relação da criança com o desejo da mãe. É um desejo de desejo. O falo é um objeto metonímico do desejo da mãe. Em virtude da existência da cadeia significante, ele circula de todas as maneiras, como o anel no jogo de passa anel, por toda parte do significado.
------- 1MILLER, J.-A . Las formaciones del inconsciente. Barcelona, 1998, p.56-7. ------ (Ver Sem. V p. 206)
O segundo tempo tem como eixo o momento em que o pai se faz pressentir como proibidor. Ele aparece mediado no discurso da màe. O pai intervém a título de mensagem para a mãe e enuncia uma proibição, um não. (Ver Sem. V p. 209)
Essa mensagem não é simplesmente o "Não te deitarás com tua mãe" dirigido à criança, mas um "Não reintegrarás teu produto" que é endereçado à mãe. Esta segunda etapa é um pouco menos feita de potencialidades do que a primeira. É o momento privativo do complexo de Édipo. É na medida em que a criança é desalojada da posição ideal de ser o objeto metonímico da mãe, que pode se estabelecer a terceira relação, a etapa seguinte, que é fecunda. Nela, a criança torna-se outra coisa, pois identifica-se com o pai e o título de propriedade virtual que ele tem. Com o declínio do Édipo, o sujeito sai com o título de posse no bolso.
Na psicose, o NP, que faz uma mediação entre mensagem e código e código e mensagem é forcluído. Não existe aquilo mediante o que o pai intervém como lei, o que é representado no grafo de Schreber, que vimos da última vez, pelo pontilhado. Existe a intervenção bruta da mensagem "não" na mensagem da mãe para o filho. A criança não é portanto significada como objeto de desejo para a mãe, mas como objeto de gozo. Não há aí entrada no Édipo.
Lacan introduz então a homossexualidade masculina com a seguinte afirmação: "Não se curam os homossexuais, a despeito de serem absolutamente curáveis".
O que ele quereria dizer? Penso que um sentido pode ser: eles são perfeitamente analisáveis.
A homossexualidade masculina, diz, é uma inversão quanto ao objeto que se estrutura no nível de um Édipo pleno e acabado. Mas, mesmo realizando a terceira etapa, o homossexual a modifica sensivelmente. Suas relações com o objeto feminino, muito longe de serem abolidas, são, ao contrário, profundamente estruturadas.
Há um certo número de traços no homossexual, a começar por uma relação profunda e perpétua com a mãe. A mãe tem geralmente no casal parental uma função diretiva, havendo cuidado mais do filho que do pai.
Se o homossexual atribui um valor preponderante ao objeto, absolutamente exigível no parceiro sexual, é na medida em que, de alguma forma, a mãe dita a lei ao pai. Isso quer dizer que, no momento em que a intervenção proibidora do pai deveria ter introduzido o sujeito na fase de dissolução de sua relação com o objeto de desejo da mãe, cortando pela raiz a possibilidade de ele se identificar com o falo (no segundo tempo do Édipo), o sujeito encontra na estrutura da mãe um reforço no sentido contrário. No momento em que a màe deveria ser apreendida como privada do falo, a criança se depara, ao contrário, com a mãe que não se deixa privar nem despojar. Estaria aí a recusa da castração materna.
Quando a marca do pai proibidor é quebrada, p. ex., nos casos em que o pai ama excessivamente a mãe, ou é demasiadamente dependente dela, o resultado pode ser o mesmo, embora não obrigatoriamente. Em outros casos, em que o pai permanece distante, por trás da relação tensa com a mãe, temos a presença do pai como rival, no sentido do Édipo normal. Na situação crítica em que o pai é uma ameaça para ele, o filho encontra solução na identificação representada pela homologia dos dois triângulos (p. 217) (Ver Sem. V p. 217)
O sujeito considerou que a maneira de aguentar o tranco era identificar-se com a mãe: assim, é na posição da mãe que ele se encontra.
Ao lidar com um parceiro substituto do objeto paterno, trata-se, para ele, como frequentemente aparece nas fantasias e sonhos dos homossexuais, de desarmá-lo, de humilhá-lo. Por outro lado, a exigência de encontrar no parceiro o órgão peniano, corresponde à posição primitiva ocupada pela mãe, que dita a lei ao pai. O homossexual desafia seu parceiro para saber se o pai tem ou não tem. Na medida em que o pai se mostra verdadeiramente apaixonado pela mãe, ele fica sob a suspeita de não ter.
Enfim, o medo pavoroso de ver o órgão da mulher deve ser entendido, segundo Lacan, para além da idéia de castração que ele sugere. O que os paraliza diante do órgão da mulher é precisamente a suposição de que ele ingeriu o falo do pai. O que é temido na penetração é justamente o encontro com esse falo paterno. Para além do perigo da vagina dentada, que também existe, trata-se da vagina temida por conter o falo hostil, absorvido pela mãe, cuja potência ela detém no órgão feminino.
Trata-se pois de uma situação estável, não dual, cheia de segurança, a três. É por considerá-la uma relação dual que, segundo Lacan, os analistas não chegam a elucidá-la.
Mesmo havendo as mais estreitas relações com a mãe, a situação só tem importância pela relação com o pai. O que deveria ser a mensagem da lei é justamente o contrário, e mostra estar nas mãos da mãe. A mãe detém a chave, porém de um modo muito mais complexo do que a noção da mãe provida de um falo. Se o homossexual se identifica com ela não é por ela ter ou não ter o falo, mas por deter as chaves da situação que prevalece na saída do Édipo, onde se julga quem detém o poder do amor, diz Lacan.
A homossexualidade masculina é então um disfuncionamento do segundo tempo do Édipo, que é essencialmente a inversão da metáfora paterna: é a màe que dita a lei ao pai. O pai como privador da màe fracassa. O que tem como resultado: "é mamãe que o tem"2 (recusa da castração).
-------- 2Idem, p. 58. --------
http://www.ebp.org.br/inconsciente1.htm
O desejo da mãe comporta um para-além e para atingi-lo é necessária uma mediação, dada pela posição do pai na ordem simbólica.
Existem estados diferentes, casos e etapas em que o filho se identifica com o falo. No fetichismo, a criança tem uma certa relação com o objeto do além do desejo materno, em cujo valor ela reparou, e ao qual se liga por identificação imaginária com a mãe. No travestismo ela se identifica com o falo escondido sob as roupas da mãe.
O pai, como aquele que priva a mãe do objeto de seu desejo, o falo, desempenha um papel essencial no desenrolar do complexo de Édipo. No nível da privação, o pai priva alguém daquilo que só tem existência como símbolo.
Essa privação, o sujeito infantil a aceita ou não, aceita ou recusa. Lacan o chama de ponto nodal, que não coincide com o declínio do Édipo. É um momento anterior, no qual o pai entra em função como privador da mãe, perfilando-se por trás da relação da mãe com o objeto de seu desejo, como aquele que castra a mãe. Na medida em que a criança não ultrapassa este ponto nodal, não aceita a privação do falo efetuada na mãe pelo pai, ela mantém em pauta uma identificação com o objeto da mãe, objeto rival, quer se trate de fobia, neurose ou perversão. Lacan não fala aqui de psicose, mas de neurose e perversão, sendo a fobia a "placa giratória", como proposto no seminário IV.
Nesse nível, a questão que se coloca é ser ou não ser o falo. O sujeito está na situação de escolher, mas a frase foi começada antes dele por seus pais. Entre este ser ou não ser o falo e o ter ou não ter do declínio do Édipo, está o complexo de castração. É dele que dependem dois fatos: que o menino se transforme em homem e a menina em mulher. Para ter ou não ter é preciso que haja um momento em que não se tem. Ou seja, a possibilidade de ser castrado é essencial na assunção de ter o falo. Este é um passo no qual tem que intervir eficazmente o pai.
O pai é então constituído como símbolo, condicão para que alguém possa intervir realmente como revestido deste símbolo. É como personagem real, revestido desse símbolo, que ele passa a intervir na etapa seguinte. Estas etapas ou tempos não são forçosamente cronológicos, como observa Lacan, mas ocorrem numa determinada sucessão.
O essencial é que a mãe funde o pai como mediador daquilo que está para além da lei dela e de seu capricho, ou seja, da lei como tal. Trata-se do pai como NP, estreitamente ligado à enunciação da lei. É nisso que ele é ou não aceito pela criança como aquele que priva ou não a mãe do objeto de seu desejo.
Para compreender o complexo de Édipo devemos então considerar três tempos:
1o tempo: o que a criança busca, como desejo de desejo, é poder satisfazer o desejo da mãe, to be or not to be o objeto de desejo da mãe. (Ver Sem. V p. 198)
Ela introduz sua demanda em , e o fruto aparecerá em '. Nesse caminho, colocam-se 2 pontos, o ego, e em frente a ele, seu outro, aquilo com que a criança se identifica, que ela vai procurar ser, ou seja, o objeto satisfatório para a mãe. Quando começa a se excitar, ela vai mostrá-lo à mãe.
No primeiro tempo o sujeito se identifica especularmente com aquilo que é objeto do desejo de sua mãe. É a etapa fálica primitiva. Conforme a maneira mais ou menos satisfatória de a mensagem se realizar em M, podemos ter um certo número de perturbações, entre as quais as identificações perversas.
2o tempo: no plano imaginário, o pai intervém como privador da mãe. Aquilo que desvincula o sujeito de sua identificação, liga-o, ao mesmo tempo, ao primeiro aparecimento da lei. O caráter decisivo do Édipo deve ser isolado como relação, não com o pai, mas com a palavra do pai. O pai onipotente é aquele que priva a mãe, no segundo tempo.
3o tempo: o pai pode dar a mãe o que ela deseja, porque o possui. Aqui intervém a potência no sentido genital da palavra. A identificação que pode ser feita com a instância paterna realiza-se portanto nesses três tempos.
1o : a instância paterna se introduz de uma forma velada.
2o : o pai se afirma em sua presença privadora de um modo mediado pela mãe, que é quem o instaura como aquele que lhe faz a lei.
3o : o pai se revela como aquele que tem. É a saída do Édipo, onde se faz a identificação com o pai, no ideal do eu, que se inscreve no triângulo simbólico no polo em que está o filho. No polo materno começa a constituir-se o que será realidade, e no nível do pai o que será o supereu. (Ver Sem. V p. 201)
No terceiro tempo portanto, o pai intervém como real e potente. Esse tempo sucede à privação ou castração que incide sobre a mãe. É por intervir como aquele que tem o falo que o pai é internalizado no sujeito como Ideal do eu, e a partir daí o complexo de Édipo declina. A criança detém consigo todas as condições das quais pode se servir no futuro. A metáfora paterna leva à instituição de alguma coisa que é da ordem do significante, que fica guardada de reserva e cuja significação se desenvolverá mais tarde.
Na mulher, a terceira etapa é diferente. Ela não tem que fazer esta identificação viril. A mulher sabe onde ele está, onde deve ir buscá-lo, do lado do pai, e vai em direção àquele que tem. Lacan considera, nesse sentido, que na feminilidade verdadeira há algo meio extraviado. Com entender isso? Seria por isso que ele toma Medéia como o exemplo da verdadeira mulher, aquela que sacrifica tudo por causa do seu homem? Ela deve então ser distinguida da mãe, ao contrário do que propunha Freud, ao identificar a feminilidade com a maternidade nas saídas do complexo de Édipo.
Jacques-Alain Miller observa que os comentadores de Lacan adoraram o pai lacaniano, aquele que castra a mãe. No entanto, não se enfatizava que a castração da qual se trata, no segundo tempo do Édipo, é a privação na mãe, mais do que na criança. Já no terceiro tempo, temos o contrário do pai que priva, temos o pai que tem e que dá. É o tempo em que as relações do pai com a mãe voltam a passar para o plano do real. Para Miller, o pai que interessa a Lacan é o terceiro, o pai que tem, que dá e que promete para o futuro. É este tempo que é fecundo, enquanto o segundo tempo tem menos potencialidades que o primeiro, tempo rico porque permite o desenvolvimento da criança1 .
Lacan conclui aqui que o pai é, no Outro, o significante que representa a existência do lugar da cadeia significante como lei. Ele se coloca acima desta. É um significante paradoxal que está dentro e fora da cadeia ao mesmo tempo, é o motorzinho da cadeia significante, como se expressou Viganó.
S S S S S S s s s s s s s s s
O pai está numa posição metafórica, na medida e unicamente na medida em que a mãe faz dele aquele que sanciona, por sua presença, a existência como tal do lugar da lei.
No terceiro tempo do Édipo, etapa da identificação, trata-se para o menino de se identificar com o pai como possuidor do pênis e para a menina de reconhecer o homem como aquele que o possui.
No capítulo XI, Lacan afirma que um sujeito não se introduz no Complexo de Édipo sem que o órgão sexual masculino desempenhe um papel de primeiro plano. Ele vai introduzir então a homossexualidade como uma perversão intimamente ligada à conclusão do complexo de Édipo, ao contrário da idéia de que poderia haver aí uma fixação no primeiro tempo do Édipo.
Lacan retoma então os três tempos:
No primeiro tempo, temos a relação da criança com o desejo da mãe. É um desejo de desejo. O falo é um objeto metonímico do desejo da mãe. Em virtude da existência da cadeia significante, ele circula de todas as maneiras, como o anel no jogo de passa anel, por toda parte do significado.
------- 1MILLER, J.-A . Las formaciones del inconsciente. Barcelona, 1998, p.56-7. ------ (Ver Sem. V p. 206)
O segundo tempo tem como eixo o momento em que o pai se faz pressentir como proibidor. Ele aparece mediado no discurso da màe. O pai intervém a título de mensagem para a mãe e enuncia uma proibição, um não. (Ver Sem. V p. 209)
Essa mensagem não é simplesmente o "Não te deitarás com tua mãe" dirigido à criança, mas um "Não reintegrarás teu produto" que é endereçado à mãe. Esta segunda etapa é um pouco menos feita de potencialidades do que a primeira. É o momento privativo do complexo de Édipo. É na medida em que a criança é desalojada da posição ideal de ser o objeto metonímico da mãe, que pode se estabelecer a terceira relação, a etapa seguinte, que é fecunda. Nela, a criança torna-se outra coisa, pois identifica-se com o pai e o título de propriedade virtual que ele tem. Com o declínio do Édipo, o sujeito sai com o título de posse no bolso.
Na psicose, o NP, que faz uma mediação entre mensagem e código e código e mensagem é forcluído. Não existe aquilo mediante o que o pai intervém como lei, o que é representado no grafo de Schreber, que vimos da última vez, pelo pontilhado. Existe a intervenção bruta da mensagem "não" na mensagem da mãe para o filho. A criança não é portanto significada como objeto de desejo para a mãe, mas como objeto de gozo. Não há aí entrada no Édipo.
Lacan introduz então a homossexualidade masculina com a seguinte afirmação: "Não se curam os homossexuais, a despeito de serem absolutamente curáveis".
O que ele quereria dizer? Penso que um sentido pode ser: eles são perfeitamente analisáveis.
A homossexualidade masculina, diz, é uma inversão quanto ao objeto que se estrutura no nível de um Édipo pleno e acabado. Mas, mesmo realizando a terceira etapa, o homossexual a modifica sensivelmente. Suas relações com o objeto feminino, muito longe de serem abolidas, são, ao contrário, profundamente estruturadas.
Há um certo número de traços no homossexual, a começar por uma relação profunda e perpétua com a mãe. A mãe tem geralmente no casal parental uma função diretiva, havendo cuidado mais do filho que do pai.
Se o homossexual atribui um valor preponderante ao objeto, absolutamente exigível no parceiro sexual, é na medida em que, de alguma forma, a mãe dita a lei ao pai. Isso quer dizer que, no momento em que a intervenção proibidora do pai deveria ter introduzido o sujeito na fase de dissolução de sua relação com o objeto de desejo da mãe, cortando pela raiz a possibilidade de ele se identificar com o falo (no segundo tempo do Édipo), o sujeito encontra na estrutura da mãe um reforço no sentido contrário. No momento em que a màe deveria ser apreendida como privada do falo, a criança se depara, ao contrário, com a mãe que não se deixa privar nem despojar. Estaria aí a recusa da castração materna.
Quando a marca do pai proibidor é quebrada, p. ex., nos casos em que o pai ama excessivamente a mãe, ou é demasiadamente dependente dela, o resultado pode ser o mesmo, embora não obrigatoriamente. Em outros casos, em que o pai permanece distante, por trás da relação tensa com a mãe, temos a presença do pai como rival, no sentido do Édipo normal. Na situação crítica em que o pai é uma ameaça para ele, o filho encontra solução na identificação representada pela homologia dos dois triângulos (p. 217) (Ver Sem. V p. 217)
O sujeito considerou que a maneira de aguentar o tranco era identificar-se com a mãe: assim, é na posição da mãe que ele se encontra.
Ao lidar com um parceiro substituto do objeto paterno, trata-se, para ele, como frequentemente aparece nas fantasias e sonhos dos homossexuais, de desarmá-lo, de humilhá-lo. Por outro lado, a exigência de encontrar no parceiro o órgão peniano, corresponde à posição primitiva ocupada pela mãe, que dita a lei ao pai. O homossexual desafia seu parceiro para saber se o pai tem ou não tem. Na medida em que o pai se mostra verdadeiramente apaixonado pela mãe, ele fica sob a suspeita de não ter.
Enfim, o medo pavoroso de ver o órgão da mulher deve ser entendido, segundo Lacan, para além da idéia de castração que ele sugere. O que os paraliza diante do órgão da mulher é precisamente a suposição de que ele ingeriu o falo do pai. O que é temido na penetração é justamente o encontro com esse falo paterno. Para além do perigo da vagina dentada, que também existe, trata-se da vagina temida por conter o falo hostil, absorvido pela mãe, cuja potência ela detém no órgão feminino.
Trata-se pois de uma situação estável, não dual, cheia de segurança, a três. É por considerá-la uma relação dual que, segundo Lacan, os analistas não chegam a elucidá-la.
Mesmo havendo as mais estreitas relações com a mãe, a situação só tem importância pela relação com o pai. O que deveria ser a mensagem da lei é justamente o contrário, e mostra estar nas mãos da mãe. A mãe detém a chave, porém de um modo muito mais complexo do que a noção da mãe provida de um falo. Se o homossexual se identifica com ela não é por ela ter ou não ter o falo, mas por deter as chaves da situação que prevalece na saída do Édipo, onde se julga quem detém o poder do amor, diz Lacan.
A homossexualidade masculina é então um disfuncionamento do segundo tempo do Édipo, que é essencialmente a inversão da metáfora paterna: é a màe que dita a lei ao pai. O pai como privador da màe fracassa. O que tem como resultado: "é mamãe que o tem"2 (recusa da castração).
-------- 2Idem, p. 58. --------
http://www.ebp.org.br/inconsciente1.htm