Análises

PSICOLOGIA COMO SUPORTE AO CONSELHO TUTELAR

No ano em que o Estatuto da Criança e do Adolescente comemoram seus dez anos de regulamentação; (Lei Federal n.º 8069/90), os Conselhos Tutelares como órgãos não jurisdicionais, permanentes e autônomos, tentam dentro de suas possibilidades assegurar o cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes de seus respectivos Municípios. Mas muitas vezes é preciso contar com o apoio de profissionais como os da psicologia que imbuídos de grandes idéias buscam novas possibilidades de percepção e criam espaços de fala, que oportunizam analisar as diversas armadilhas do preconceito, estigmas e estereótipos vivenciados pelo grande grupo de excluídos dos direitos da cidadania.

A psicologia tem sido a mediação entre a justiça e o "problema de criança", enquanto instrumento de assistência às crianças e adolescentes que ora são encaminhados, quer sejam pelos órgãos do poder judiciário, quer seja pela escola, que se sente impotente diante da situação, ou mesmo pela família que busca na psicologia explicações para determinados problemas psico-sociais.

É preciso estar muito atento ao propor a desenvolver um trabalho junto a criança e ao adolescente que, na sua grande maioria são encaminhados por alguma "queixa", o que muitas vezes indica alguém que já vem com um pré-diagnóstico estabelecido: "indisciplinado", "delinqüente", "vicioso", "agressivo", "órfão", e tantos outros rótulos nos quais são fatores propícios para encaminhamento para o atendimento psicológico.

Ao iniciarmos um atendimento é preciso muitas vezes nos alienar dos antecedentes que vem acompanhado da ficha triagem de cada sujeito para não cairmos no erro de justificar aquilo que algumas pessoas já preconceberam a respeito das crianças encaminhadas para o atendimento.

Algumas escolas, e por conseguintes alguns professores desmotivados muitas vezes pela precariedade do sistema educacional, pelo desconhecimento do desenvolvimento infantil, ou mesmo pela dificuldade em lidar com as diferentes crianças, acabam rotulando-as de "indisciplinados", "agressivos", e outros. Encaminham-nas para o Conselho Tutelar, e este por sua vez solicita uma avaliação e atendimento psicológico.

A criança ou adolescente sempre chega muito assustada tanto quanto seus pais, embora na grande maioria é a mãe que vem acompanhando a criança.

Diante das situações de indisciplina, muitas vezes a escola procura resolver através da punição, ao que o aluno reage revidando-a e assim sucedem-se punições e atos agressivos. Inclusive o próprio encaminhamento da criança ao Conselho Tutelar é uma forma de puni-lo.

É preciso muito mais do que escutar a criança, a família, é preciso perceber o contexto em que esta criança esta inserida. É necessário compreender a agressividade e até que ponto ela não esta sendo benéfica enquanto conquista de espaços, impulsos para uma maior adaptação.

Por outro lado, a escola tem sido a facilitadora na busca de auxílio psicoterapêutico, pois consegue receber com maior facilidade de desenvolvimento da criança e uma vez encaminhado aos nossos cuidados são solicitadas as avaliações necessárias que podem ser: neurológica, psicopedagógico, fonodióloga e outros serviços.

Dos casos atendidos, tem-se percebidos que um dos fatores que mais influenciam no desenvolvimento da criança, é falta de uma estrutura familiar mais sólida. Pois as crianças na sua grande maioria sofrem com a vulnerabilidade dos casamentos, são filhos de pais separados, criados por padrastos, com irmãos filhos de outros pais diferentes, ou então, criados só pela mãe.

Se a instituição social familiar é considerada um dos principais fundamentos de uma sociedade embora variam suas estruturas e formas de funcionamento, é complicado para a criança que constrói sua primeira identidade social na família, quando se depara com tantos conflitos intrafamiliares. Se a família é base da sociedade, daí esta a explicação para tantos problemas sociais, há uma decadência da estruturação familiar que vem desencadeando diversos conflitos sociais. Por isso, torna-se importante a forma de organização familiar enquanto elemento relevante no modo de condução do processo de socialização das crianças, na forma como transmite seus valores, normas e modelos de conduta na orientação dos direitos e deveres. É preciso que o pai e mãe transmitam segurança, determinação, capacidade e conhecimento na imposição dos limites, porque educar é estabelecer limites.

Das muitas crianças que nos vêm para atendimento psicológicos, após ouvirmos a ambos pais e filhos, concluímos sempre que é impossível atender somente a criança por si só. Vemos a necessidade de incluirmos estes pais, que carregam culpas, incertezas, dificuldades de lidar com seus próprios anseios.

Porem é preciso tornar claro que os problemas não são especificamente oriundos de famílias desagregadas. Tanto a família aglutinada como a família desagregada comete crimes invisíveis, com efeitos danosos.

Outra grande preocupação que tem sido objeto de reflexão do Conselho Tutelar, é queixa sucessivas de pais com referência aos filhos adolescentes. Alem de serem considerados os "problemas", "anti-sociais" quando senão "delinqüentes", são na sua maior parte excluídos do âmbito social.

Os fatores intrínsecos relacionados com a personalidade do adolescente são os que na realidade, determinam as diferentes manifestações do comportamento, que despertam interesse para o tratamento.

Entrar no mundo dos adultos, ora desejado e ora temido, significa para o adolescente a perda definitiva de sua condição de criança. As mudanças psicológicas que se produzem nesta fase, e que estão correlacionadas às mudanças corporais, levam a uma nova relação com os pais e com o mundo que o cerca.

Porem, só quando o adolescente é capaz de aceitar seus aspectos de criança e de adulto, aceitando de forma flutuante as mudanças de seu corpo é que começa a surgir sua nova identidade. Toda a adolescência, além de possuir características individuais, possui características do meio cultural, social e histórico. E o mundo que nos cerca exige mais do que nunca a busca de exercício da liberdade sem que se recorra a violência como forma de impor limites.

Para se desenvolver um trabalho de atendimento psicológico é necessário muitas vezes estar aberto ao novo, ao diferente, pois nunca se sabe o que há por detrás de um determinado encaminhamento. Poderá ser uma criança com dificuldade de relacionamento mas que a causa esta na relação intrafamiliar, poderá ser um adolescente com dificuldade de compreender a resistência dos pais quanto a sua mudança ou ainda uma mãe que coloca no filho a justificativa para seus conflitos internos quer sejam de relacionamentos afetivos, quer sejam de sintomas instalados na sua infância e que só agora vieram a tona.

Às vezes uma simples orientação aos pais para que compreendam que as dificuldades de aprendizagem de seu filho necessitam de um atendimento especial em escolas especiais, ou então simplesmente a oportunidade para que possam falar de seus temores e inseguranças, já se torna suficiente para auxilia-los na dinâmica familiar.

É preciso mais do que zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. É preciso sobre tudo, intervir de forma a proporcionar um auxilio da psicologia no dia-a-dia das pessoas, oportunizando uma melhor qualidade de vida psíquica.

A Psicologia pode sim caminhar lado a lado com os Conselhos Tutelares, porque talvez seja a forma de propiciar uma melhor clareza das causas, das quais são causadoras de violência contra os pequenos cidadãos de nossa sociedade. Mas, o atendimento psicológico precisa ser mais bem delimitado e direcionado, assim como todas as ações voltadas para o atendimento à criança e ao adolescente. As escolas por sua vez deveriam exigir um atendimento mais eficiente dos órgãos educacionais como as Secretarias Municipais e ou Estaduais, para que estas proporcionem um trabalho mais voltado às instituições educacionais dos seus respectivos municípios, sobretudo relacionado às dificuldades de aprendizagem.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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